2008 (agosto e setembro) – Gigantes, castelos, ovelhas e neblina

Olhando o mapa da Europa, já era possível marcar que países ou pedaços de países me faltavam conhecer.   Irlanda e Escócia estavam faltando.  De repente um antigo colega de trabalho perguntou se eu conhecia a Calçada de Gigantes.  Misture as duas coisas e está alinhavado um roteiro.

♥ O roteiro: Seriam todos lugares desconhecidos para Marilza e eu (que deles só conhecia Londres).  Começaríamos pela Irlanda do Norte (às vezes chamada de Ulster) para ver a tal calçada.  Sabendo que o melhor da Irlanda (em irlandês, Éire) fica nas estradinhas do litoral chuvoso e que a Escócia seria semelhante, optamos por dois pacotes de uma semana cada um, antecipando a chegada a Dublin.  No final de tudo ficamos uns dias em Londres.  Muitas novidades.

O voo de conexão de Londres para Belfast, na Irlanda do Norte, não pode ser com horário muito apertado.  Marilza (para quem ainda não sabe, é uma amiga de longa data que às vezes viaja comigo) e eu caímos com uma agente de imigração que procurava minúcias desde o bilhete do voo da volta, voucher do pacote, quanto tínhamos de dinheiro, seguro de viagem, perguntava repetidas vezes por que queríamos ir para Belfast.  Foi quase uma hora em pé, mostrando papéis, cartões e paciência.

Enfim liberadas e já em Belfast, fomos do aeroporto para o centro de Belfast de ônibus, o nosso hotel “Europa” era ao lado da rodoviária.

Tínhamos a tarde toda livre.  Encontramos um taxista na porta do hotel, tratamos o preço e ele nos levou e nos esperou no Castelo de Belfast, no alto do Cave Hill Country Park. Mesmo com tarde nublada, normal por lá, tivemos uma bela vista para a cidade, o porto e o estaleiro onde foi construído o Titanic.

A ocupação do morro começou com uma primeira construção defensiva no século XII, que foi modificado e ampliado várias vezes, até ser destruído por incêndio em 1780.  O edifício atual foi construído em 1870, reproduzindo o estilo escocês do castelo de Balmoral, da família real britânica.

A1 Castelo de Belfast fonte gato

Castelo de Belfast e a Fonte do Gato.

As lendas do castelo fazem referência à presença permanente de um gato branco que traz boa sorte aos visitantes.  No Jardim do Gato existem nove referências a ele, como as que ficam na fonte e na figura em topiaria.  Hoje em dia é administrado pelo órgão local de patrimônio, tem um pequeno museu e pode ser alugado para festas e casamentos. E neste dia havia uma, com fotos nos jardins e vários acenos para nós, as únicas bisbilhoteiras presentes.

Na volta, o motorista propôs passarmos pelos murais pintados pelos grupos católicos e anglicanos, deu uma parada para vermos mas pediu que não fotografássemos, ainda havia gente sensível.

Deixou-nos no centro da cidade.  Logo no primeiro dia eu precisava comprar uma super cola porque a sola do tênis estava se soltando.  Cola comprada, vamos andar por ali.

Belfast é uma cidade bonita, meio antiga mas bem simpática.  E deve-se logo esquecer as notícias de guerra religiosa.  A capital do Ulster é um encanto, com gente bonita e informal. Ninguém olha atravessado para o turista; ao contrário, são bem sorridentes.

Para jantar, sabíamos que o hotel ficava em frente dos dois mais tradicionais pubs da cidade, o The Crown Bar e o Robinson’s.  Seriam dois jantares, um em cada pub.  Dizem que durante as disputas internas, o hotel foi quase destruído, mas os pubs nada sofreram.  Sempre tinha ouvido falar que a comida nas duas Irlandas era muito ruim, mas não foi isso que encontramos por ali.  Pedimos cerveja Guiness, quase uma obrigação, mas não gostamos.  Muito pesada, parecia viscosa.

A2 Belf Crown Bar e Robinson

Os dois pubs mais famosos de Belfast.

No dia seguinte ficamos meio atrapalhadas esperando a saída do passeio até a Calçada de Gigantes, motivo maior de nossa ida até Belfast.  Achamos que o passeio não ia acontecer pois a agência estava fechada.  No nosso voucher dava um horário de saída e na realidade era mais tarde.

Enfim saímos para o dia inteiro de passeio pelo Condado de Antrim.  Fizemos várias paradas, começando pelo castelo na cidade de Carrick Fergus, que existe ali desde 1180, como fortaleza sempre renovada ou como prisão.  Serviu como base militar e abrigo até a Segunda Guerra Mundial.

Passamos por Larne e chegamos a Carrick-a-rede.  Carrick significa pedra; rede significa corda.  O resultado é uma ponte pênsil de cordas trançadas que leva até um rochedo.  O detalhe é que a ponte só é visível quando se chega a ela.

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Carrick-a-rede

A tradicional visita para compras foi numa destilaria, a Bushmills, que é apresentada como a primeira que foi legalizada no Império Britânico.  E não é só isso.  Seu produto era considerado um “uísque protestante”, não consumido na Irlanda hoje independente e católica.

E finalmente a Calçada de Gigantes.  O ônibus estaciona no alto, e pode-se descer a pé ou no veículo local.  Descemos a pé, com chuvinha fina.

A Calçada de Gigantes é daqueles lugares que nenhuma foto pode mostrar o quanto é especial.  Pedras perfeitamente arrumadas, recobertas de liquens e umedecidas por chuva quase permanente e respingos das ondas do mar.

A5 Calçada 2

A sensação de caminhar sobre aquelas pedras incríveis.

Caminhando mais um pouco, colunas bem altas formando um trecho chamado “The Organ”.

A6 Calçada 6

Mais afastadas do mar, colunas enormes formando o Órgão.

Antes da viagem, quando comecei a procurar informações sobre este lugar, percebi que eu conhecia a lenda por causa de um desenho animado chamado Piggley Winks.  O gigante irlandês Finn Mac Cool marcou uma luta tradicional com seu rival escocês Benandonner.  Com suas habilidades de construtor, Finn Mac Cool trabalhou sem parar numa ponte de pedra que ligasse as duas ilhas, permitindo que Benandonner chegasse sem molhar os pés.  Finn trabalhou tanto que no dia da luta estava exausto e adormeceu.  Sua esposa Oonagh viu o oponente se aproximar, tentou acorda-lo, mas foi impossível.  Decidiu cobri-lo com uma manta, disfarçando-o como um bebê.  Quando o escocês perguntou por Finn Mac Cool, ela respondeu que já estava chegando e apresentou seu “filho” adormecido.  Vendo um bebê daquele tamanho, Benandonner imaginou o tamanho do pai e achou que o melhor era não enfrentar tão imensa criatura.  Na sua fuga para a Escócia, ia quebrando toda a ponte de pedras para evitar que Finn Mac Cool o perseguisse.  Acho que a vitória cabe à esperta Oonagh!

O fato geológico tem menos graça – é uma extrusão de lava basáltica num terreno calcário durante o período Paleocênico (65,5 até 23,5 milhões de anos atrás, uma época onde já havia aves e mamíferos).  O rápido resfriamento da lava provocou fraturas, geralmente de forma hexagonal, formando a “Calçada de Gigantes”.  A costa irlandesa do Condado de Antrim tem semelhança geológica com a costa escocesa do outro lado do canal.

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Um lugar inimaginável, só mesmo um trabalho de gigante.

Depois da visita, acho mais interessante a lenda.  Gosto mais de pensar que Finn Mac Cool fez um belo trabalho.

Privilégio ter estado lá.  Prazer imenso rever essas fotos e lembrar desse dia.

A última parada foi para ver as ruínas do Castelo Dunluce, ainda na costa de Antrim, construído no século XIII e que pertenceu ao clã Mac Donnell.   O lugar é lindo e a neblina só aumenta o clima de mistério.

Para terminar um dia incrível, um jantar de despedida no outro pub, o Robinson’s.  Também comida boa.

Ainda tivemos a manhã livre, sempre com chuva.  Fomos até o Waterfront, junto do monumento do peixe, depois ao mercado coberto e já um tanto molhadas resolvemos dar uma volta na roda gigante.  Foi sorte.  Enquanto girávamos caiu uma chuva grossa.  Na saída, já estava de volta a chuva fininha, que seria nossa companheira quase diária pelos próximos dias.

Precisamos de um táxi até a estação de trens, impossível ir com as malas debaixo de chuva.  O embarque é tão controlado quanto de um aeroporto.  Seguimos pela única ferrovia da ilha.  Alguns dias depois soubemos que outros trechos na Irlanda “Éire” foram desmontados para que o país pudesse usar o dinheiro da venda dos trilhos para começar sua vida de país independente.  E nunca mais refizeram a malha ferroviária.  Só existe mesmo esse trecho que vem da Irlanda “Ulster” até Dublin.  Quase perdi o trem numa parada que ele fez, pois desembarquei para fotografar a estação e me distraí naquele minuto usual das paradas.

Chegamos a Dublin, capital da Irlanda, quando o sol saía depois da chuva.  O hotel era perto e fomos andando.  Estávamos chegando antes da data de início do pacote irlandês para podermos aproveitar bem em Dublin.

No check in do hotel, a surpresa.  Não havia nada em nosso nome e o hotel estava lotado.  Só havia reserva para o grupo que encontraríamos dentro de dois dias.  Bateu o pânico.  Num sábado à tarde não encontraríamos ninguém na agência do Brasil para nos socorrer.  Na hora do sufoco não achei o número do telefone celular da nossa agente de viagens. Tínhamos o telefone para passageiros da operadora espanhola, que também tinha sido a encarregada de antecipar nossa reserva em duas noites.  Na Espanha não nos explicaram nada, quem atendeu o telefone de emergência para viajantes não sabia resolver nem encaminhar nada.  Lembrei de telefonar para o hotel previsto anteriormente e nosso nome constava para um pernoite mas no dia seguinte.

Enquanto isso, as moças da recepção já tinham descoberto um quarto vago no hotel, que estava pronto para ser usado, faltando apenas alguns detalhes de lâmpadas e arremates da sua reforma.  Aceitamos e nos dispusemos a pagar caso a agência não resolvesse nada.

Não adiantava sofrer nem brigar naquela hora.  O hotel era daqueles, como muitos na Europa, formado pela reunião de diferentes prédios antigos, em que os andares não estão no mesmo nível.  As passagens de um para outro são escadinhas de 3 ou quatro degraus e para chegar ao nosso quarto tivemos que levar as malas por diversas delas.  Claro que ele era o último do último edifício, sem opção de outro elevador.  O quarto era amplo, tinha poucas lâmpadas funcionando como nos avisaram.  O trem passava no alto, bem perto da janela mas o isolamento era perfeito.  O banheiro era ótimo.  Então vamos aproveitar logo a cidade e sua vida reconhecidamente alegre.  Antes de sair, usamos o computador do hotel e passamos mensagens por e-mail para nossa agente de viagens relatando o caso e para a irmã de Marilza pedindo que insistisse com a agência.  Não reparamos que o telefone do quarto não funcionava.

Fomos para a zona de pedestres, cheia de pubs e restaurantes, chamada Temple Bar.  Muita gente e nós tínhamos fome.  Restaurante cheio é bom, e foi assim que escolhemos.  Comemos muito bem, ainda longe da fama de comida ruim.  E ficamos pela rua para ver a agitação do pessoal.  E um pouco de música ao ar livre também é bom.

Para nosso primeiro dia livre em Dublin, fomos fazer o passeio de ônibus hop on hop off, já contando que o city tour incluído quando nos juntássemos ao grupo fosse meio fraquinho.

O primeiro contato com as antigas residências, chamadas “Casas Georgianas” (referência ao rei George III, que governou de 1760 a 1801) foi esclarecedor, para dizer o mínimo.  Nenhuma delas tem jardim ou pátio interno ou quintal.  Todas são construídas de frente para uma praça.

B1 Casas georgianas c St stephen em Merrion Sq

Casas Georgianas e ao fundo a igreja de Saint Stephen.

Cada morador tinha que pagar para ter uma chave do portão da praça mais próximo de sua casa.  A praça era de uso exclusivo, cada quarteirão com sua praça.  Já faz muitos anos que os portões são mantidos abertos, o uso é público.

Eu queria de qualquer jeito conhecer o Livro de Kells.  São quatro volumes de iluminuras sobre pele de animal, com gravuras e textos em latim dos Evangelhos, em grafia característica das ilhas.  Esse trabalho sobre pergaminhos é o hóspede de luxo do Trinity College, fundado em 1592 pela Rainha Elizabeth I, a mais renomada escola do país.  Nunca tinha visto um livro de iluminuras como aquele.  Os poucos volumes se revezam na exposição cheia de segurança.  Até nem pegamos fila, o que é raro porque todo mundo vai lá.  Os volumes do Livro de Kells chegaram ao Trinity College no século XVII e são expostos desde o século XIX.  Vale a pena, é uma relíquia linda.

O resto da cidade respira alto astral.  Parece que superaram bem as crises e dificuldades da época da independência.  Desfrutamos intensamente cada ponto de visita.  Voltamos a Temple Bar, ainda vazia no meio do dia.  Cruzamos Ha’penny, a ponte mais famosa sobre o rio Liffey, perto de Temple Bar.  Seu construtor em 1816 foi o Duque de Wellington, que queria cobrar meio pence (half pence ou ha’penny) de qualquer pessoa que passasse sobre ela.

B2 Temple Bar

Alguns dos pubs em Temple Bar.

A avenida principal é a O’Connell, em homenagem ao patriarca da República da Irlanda, Daniel O’Connell, (1775 – 1847).  A independência só aconteceu em 1922 após alternância de acordos e conflitos com o Reino Unido.  Ali descobrimos uma loja ótima para todo tipo de suvenir da Irlanda, incluindo bonequinhos de Finnegan, o duende mais famoso do país.

Próxima parada foi a Catedral de São Patrício, padroeiro da Irlanda, construída a partir do século XII.  Diz a lenda que São Patrício (nascido na Bretanha no final do século IV) batizava os convertidos no poço do pátio junto da igreja.  Durante muitos anos, as antigas catedrais católicas foram convertidas ao culto protestante por ordens dos monarcas britânicos.  Consta do tratado de independência que tais catedrais não poderiam voltar ao culto católico, apesar desta ser a quase única e fervorosa religião do país.

Voltamos ao hotel e até ali, nenhuma resposta sobre o caso das diárias.  Retornamos mais uma vez para jantar num dos pubs de Temple Bar.  A comida foi Dublin Coddle, carne de carneiro cozida com legumes e servida com purê de batatas e linguiças.

Como já tínhamos explorado a cidade e ainda teríamos a visita incluída no pacote, decidimos pelo tour ao castelo assombrado de Malahide.  Situado ao norte de Dublin, pertenceu à família Talbot de 1185 até 1973, quando morreu o último Lord Talbot e a propriedade foi vendida.  O fantasma do bobo Puck, que fazia a fama do local, desapareceu nesta época. Bonito, mas nada fabuloso.

De volta ao centro, caminhando meio sem destino, acabamos indo até o Parlamento, um edifício sem janelas, apenas iluminado pela claraboia, que não é visível da rua.

Caminhar pelo centro de Dublin é bem agradável.  Muitos turistas e gente local se misturam num clima sorridente.

Completamos nosso dia na Catedral de Christchurch, que foi criada em 1038 como catedral católica viking e ganhou a forma atual a partir de 1172.  Foi convertida a igreja anglicana no reinado de Henrique VIII.  Esta igreja irlandesa se declara como reformada sem romper com o cristianismo celta e medieval pois o último prior foi o primeiro deão.  Isso tudo está escrito lá, complicado é entender.  Como o país é principalmente católico, os cultos anglicanos são vazios e não há subvenção oficial, a manutenção do prédio é feita com a cobrança de ingressos.  Na antiga Sala do Sínodo, fica a exposição Dublinia, contando a história da formação da cidade desde o século XII quando cristãos anglo-normandos chegaram às terras dos celtas, passando pelos tempos dos vikings e terminando em 1540 com o fechamento dos monastérios.

Acabamos em Merrion Square, mais uma bela praça rodeada de Casas Georgianas.

B3 Merrion Sq 2

Merrion Square, antiga praça privativa.

Já estávamos numa segunda-feira e achamos que haveria resposta do Brasil ou da Espanha sobre o hotel, mas nada.  Fui ver se havia algum e-mail e lá estava um da nossa agência no Brasil informando que tinha nos telefonado tarde da noite, quando certamente estaríamos dormindo e ninguém atendeu.  Desconfiamos de defeito na instalação.  Então perguntamos sobre o funcionamento do telefone e então perceberam que não tocava no nosso quarto.  No e-mail estavam instruções para pagar e pegar toda a documentação.

Nesta noite foi o jantar de reunião do grupo.  Falei com a guia sobre o caso da hospedagem, ela ligou para o escritório na Espanha mas mandaram aguardar.  Difícil, pois deixaríamos o hotel na manhã seguinte.

Começo do tour de uma semana pela Irlanda.  Arrastamos toda a bagagem pelos longos e acarpetados corredores e escadas do hotel, um quase labirinto que custamos a nos acostumar.  Quando saímos do elevador, o pessoal da portaria nos chamou logo, a agência tinha confirmados nosso pagamento.  Enfim.  Terminava na terça feira o suspense começado no sábado.

Feita a visita da cidade, mostrando diversas coisas que já conhecíamos, terminaram dando um tempo a quem quisesse ver o Livro de Kells.  Nesse dia havia fila.  Aproveitei para comprar música irlandesa.

Seguiríamos um roteiro quase padronizado pela Irlanda, que de nenhuma forma compromete ou desmerece as suas belezas.  Ao invés de trafegar pelas grandes rodovias, o caminho era feito pelas estradinhas estreitas e antigas, que de um modo geral acompanhavam a costa e passavam pelos sítios mais antigos e tradicionais.  Quando via aquelas estradas estreitas e sinuosas, a chuva fina que insiste o ano todo pelo país eu agradecia mais uma vez a minha pouca disposição de viajar alugando carro e dirigindo.

Visitamos Clonmacnoise naquela tarde, junto ao rio Shannon.  São as ruínas do conjunto monástico fundado no século VI e transformado em mausoléu dos reis de Connacht e de Tara.  Ali conheci as cruzes irlandesas.  A explicação de nossa guia foi bem interessante.  O círculo era um elemento sagrado e mágico para os povos nativos.  Quando os cristãos chegaram com o símbolo da cruz, tiveram a ideia de associar os dois, tentando uma aceitação melhor da nova religião.  Deve ter dado certo porque os irlandeses são de maioria católica até hoje.

B4 Cruz celta

No museu em Clonmacnoise, uma secular cruz celta esculpida em pedra.

Os dois próximos pernoites seriam em Galway, e um dia foi de visitas ao Parque Nacional de Connemara com seus monastérios.

A cidade de Galway não tinha maiores interesses, mas ali era o almoço.  A esta altura já tínhamos descoberto que o prato da temporada seria frango com batatas.  A cidade ganhou uma certa fama pois a família Kennedy, que teve presidente e senadores no Estados Unidos, foi emigrante desta localidade.

A próxima jornada era acompanhando o litoral.  Começando pelas enorme falésias de Moher, quilômetros de escarpas à beira mar, repletas de aves.  Uma paisagem para pensar em aventuras no mar violento, contemplado da torre O’Brien, uma edificação em pedras para ver o mar e um dos monumentos queridos dos irlandeses.  As costas irlandesas têm um certo jeito entre o bonito e o assustador, costas íngremes e o mar batendo lá em baixo.  Dá uma certa vertigem ou angústia de chegar muito perto da beirada para ver lá no fundo.

B5 Moher 3

Um surpreendente dia de muito sol e até um calorzinho para caminhar ao longo das falésias de Moher.

Seguimos para o Castelo de Bunratty que existe desde o século XV e hoje se mantém com espetáculos de música e jantares em estilo medieval.

Após o almoço, passagem por Limerick e Adare, para chegar bem no fim do dia a Tralee, já no Condado de Kerry, para o pernoite.

Eu me encantava com as muretas de pedras sobrepostas, cobertas de limo e plantas, fazendo a divisão entre os pastos que eram usados em rodizio.  E lembrava mais uma vez dos detalhes do desenho animado do Piggley Winks.

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Deliciosa paisagem rural onde cada pontinho branco é uma ovelha.

Dia inteiro de excursão pela Península de Dingle, um dos lugares mais autênticos da Irlanda, com uma natureza selvagem e mais de 2000 sítios arqueológicos.  Várias fazendas ficavam à beira-mar e era comum ver os animais passeando na praia.

Uma das explicações mais importantes da guia, excelente por sinal, é de que na Irlanda a neve praticamente não existe.  Benefícios da corrente marítima quente que vem do Caribe e não permite congelamentos.  As ovelhas são o gado mais comum e não há abrigos especiais para elas.  A chuva é constante mesmo, elas nem se incomodam debaixo da grossa camada de lã; e como a neve não vai aparecer, o pasto então fica sempre verdinho para elas usarem.  Mesmo assim, fiquei com pena delas.

O almoço foi na pequena cidade turística de Killarney e nenhuma surpresa quanto ao cardápio.  Visita à Mansão Muckross, que ainda conserva o nome da família que faliu preparando a casa para uma visita da Rainha Vitória; sem dinheiro, venderam a propriedade para os Guiness.  Depois teve passeio em carroça até as Cascatas de Torc.  Retorno ao hotel em Tralee, com tempo para dar uma olhada pela cidade.

Era a semana de uma tradicional festa local, a Rosa de Tralee, que é uma competição de simpatia com concorrentes irlandeses e descendentes vindos de outros países.

Àquela altura dos pubs, cada uma de nós já tinha sua cerveja favorita.  A minha era uma avermelhada escura chamada Smithwicks.  Marilza sempre prefere cervejas claras.

B7 Pub King's Head

Num pub chamado King’s Head.

Saímos de Tralee para percorrer o Anel de Kerry, uma estrada estreita ao redor da Península de Iveragh.  Os dias de sol do início do passeio desapareceram justamente no dia que talvez mais precisássemos de luz.  Aquele caminho é conhecido por suas paisagens fantásticas, sempre perto de despenhadeiros.  O que vimos foi muita neblina densa.  Vimos de passagem a pequena Cahersiveen, onde nasceu Daniel O’Connell (o negociador da independência da Irlanda).   Depois do almoço, tempo livre em Kenmare.

Neste ponto, todos reclamavam da comida monótona.  A explicação não convenceu, dizendo que era um opção da empresa por uma alimentação saudável e sem complicações.

Seguimos até Cork para visitar a igreja de Saint Finn Barre.  Levei um escorregão na entrada e caí de barriga no chão.  Sujei roupa e mão esquerda, porque a direita eu levantei para salvar a câmera fotográfica.  No alto de uma das torres existe um anjo dourado, que segundo a tradição, se ele cair sem interferência humana a igreja voltará ao culto católico.  Quando tivemos tempo livre no centro da cidade, a chuva voltou com força.  E um mercado coberto, cheio de queijos, estava ali nos esperando.  Mas deu para ver um pouco da cidade.

No último dia fomos até Kilkenny, com tempo livre para caminhar pela vila.  No meio da tarde estávamos de volta a Dublin e ao mesmo hotel onde iniciamos, desta vez sem sustos na hospedagem.  Era um domingo ensolarado, com todo o comércio aberto e multidão nas ruas.

Ainda deu tempo de fazer passeio de barco pelo rio Liffey, sentido o espírito de uma cidade animada e gente boa.

B8 Dublin av O'Connor

O’Connell Street, Dublin em pleno domingo de sol.  Muita vida nas ruas.

Terminamos com um jantar em qualquer lugar que houvesse qualquer coisa para comer que não fosse frango com batatas.

Contudo, deve-se respeitar as ditas batatas e sobre elas cabe um pouco de História.  Elas chegara à Europa levadas pelos espanhóis em meados do século XVI.  Desprezadas por um tempo porque eram consideradas impuras, algum tempo depois foram incorporadas febrilmente a dieta básica de muitos lugares, afinal tinha um nível de nutrientes e calorias desconhecido para eles.  Remexendo internet, descobri que boa parte da aceitação delas se deve ao rei alemão Frederik II na metade do século XVIII.  E não custa lembrar que tomates, cacau, milho e outros alimentos foram levados das mesas incas e mesoamericanas para a Europa.

Na última manhã livre fomos dar um passeio para um dos lados do hotel que não tínhamos ido.  E ali voltamos às batatas.  Encontramos o monumento aos emigrantes e mortos durante a “Grande Fome”, uma praga de fungos que devastou as plantações de batatas – já eram essenciais na época – e provocou mortes, doenças e emigração em massa nos últimos anos da década de 1840.  Foi nesse tempo que famílias inteiras migraram para os Estados Unidos, influenciando fortemente a formação da população americana.

Hora de ir para o aeroporto (por sinal enorme) e o destino era a Escócia.

Encontramos logo com nosso transportador no aeroporto de Edimburgo.  Depois de alojadas no hotel, tínhamos a tarde livre, boa para caminhar pela cidade.

Fomos direto ao centro, com o castelo nos olhando lá do alto.

C1 Centro de Edimburgo com castelo

Centro de Edinburgh com o castelo no alto, ao fundo.

A cidade é acolhedora, chovendo ou abrindo um solzinho em poucos minutos.  Elegante e cheia de caminhos sombrios.  Acabamos na Royal Mile, os 1600 metros entre os dois castelos da realeza – Edimburgo e Holyrood.  E estava tudo muito animado, com o Festival de Edinburg e o Fringe, o festival alternativo pelas ruas.

C2 Parte baixa da Royal Mile

Royal Mile, num trecho fora da agitação dos festivais.

Tínhamos o jantar de encontro do novo grupo e qual não foi a surpresa com o cardápio!  Frango e batatas.  O prognóstico era sombrio.  O jeito era basear a melhor refeição no café da manhã e naquelas que não estivessem incluídas.

Começamos com a visita panorâmica de Edimburgo, seguida dos opcionais ao Castelo e ao Palácio Holyroodhouse, antiga residência dos reis da Escócia.  Fizemos os opcionais, que sempre incluem o melhor a ser visto.  Não renego nenhum city tour, mas eles não mostram o melhor; mostram um básico corriqueiro.

 Em Holyroodhouse vimos as ruínas da abadia erguida em 1128 pelo rei David, onde estão túmulos de diversos reis escoceses mas que está abandonada desde 1768 quando seu teto desabou, nunca sendo restaurada.  Talvez o mais famoso monarca escocês seja Mary Stuart, que também foi rainha da França por um curto período.  Ela residiu neste castelo, que é proibido de fotografar já que a atual família real fica nele quando está na Escócia.

Seguimos para o imponente castelo de Edimburgo, no alto de uma colina de onde se tem a melhor vista da cidade.  Ali dentro aconteceram fatos históricos marcantes.  O local foi ocupado desde o século VII, transformando-se em fortificação durante a Idade Média.  Com edifícios de várias épocas, sua forma atual começou em 1573, após ter sido praticamente destruído durante um dos muitos sítios que sofreu nas guerras religiosas entre escoceses e ingleses.  Neste castelo nasceu Jaime VI da Escócia, filho de Mary Rainha dos Escoceses.  Quando herdou a coroa da Inglaterra como Jaime I, foi para Londres. Apesar das coroas reunidas, os problemas religiosos continuaram até 1707 com o Ato de União.  Foi nesta época que as joias da coroa escocesa foram escondidas nas paredes do castelo, tornando-se uma lenda.  Foram redescobertas em 1818 por Sir Walter Scott (o mesmo que conseguiu o direito dos clãs escoceses voltarem a usar seus kilts).

C3 Castelo de Edimburgo 1

Castelo de Edinburgh.

Mais que o sumiço das joias, o caso que me chamou a atenção foi sobre a Pedra do Destino, um bloco de rocha que era usado para a consagração dos antigos reis escoceses.  No século XIII, num dos períodos de embates entre escoceses e ingleses, a Pedra foi levada para Londres junto com os outros símbolos da realeza escocesa.  O filho de Mary Stuart, uniu as coroas em 1603, tornando-se Jaime VI da Escócia e Jaime I da Inglaterra.  Por séculos, a Pedra ficou na Abadia de Westminster e era posta em baixo do trono inglês nas cerimônias de coroação, um simbolismo de submissão.  Em 1950 ela foi roubada por estudantes escoceses e levada para o norte.  Parece complicado roubar e carregar uma pedra de cento e tantos quilos.  Eles foram apanhados mas nunca foram processados.  A Pedra voltou a Londres até que em 1996 e através de um discurso do Primeiro Ministro John Major era declarado que a Rainha concordava em devolver aos escoceses seus símbolos reais, mesmo reafirmando que eles pertenciam aos britânicos.

Pudemos ver as joias e Pedra do Destino numa sala do Castelo de Edimburgo.  Quando voltei da viagem fui procurar fotos da coroação de Elizabeth II e lá estava a Pedra do Destino embaixo do trono de madeira.

No Castelo de Edimburgo funcionam instalações militares e o Memorial das Guerras, em homenagem a todos os escoceses que participaram de guerras em nome da coroa britânica.

Na minha cabeça, as coisas escocesas são meio trágicas, influência da decapitação de Mary Stuart, que foi rainha de França e herdeira presuntiva da coroa escocesa.  E os mistérios são alimentados por caminhos subterrâneos às vezes vistos das pontes que cruzam a cidade.  Não conseguimos visitar.

Mas deu para explorar bem a cidade, que cada vez se mostrava mais interessante.

Muitas lendas rondam Edimburgo.  Uma delas é de um cachorro, que alguns juram ser verdadeira.  Quando seu dono morreu, o cãozinho Bobby Greyfriars não se afastou do túmulo e foi cuidado pelas pessoas até sua morte em 1872.  Por sua fidelidade ganhou junto dele uma lápide que tem sempre flores e bichinhos de pelúcia.  E tem a simpatia de quem passa pelo cemitério bem central.

Seguindo a viagem, não podia faltar uma destilaria de uísque.  Para mim não faz a menor diferença se é de um malte só (que eles valorizam muito) ou não.  Apenas não gosto da bebida.

Gostei de Inverness, achei elegante, com comércio e casas bonitos.  E castelos ainda em pleno uso.  A visita incluía o de Cawdor, que é residência privada e o pagamento da entrada ajuda na sua manutenção, como em tantos outros.

Estávamos chegando à região dos “loch”, um típico lago escocês.

A paisagem e o clima mudam muito rápido.  Ali também passa a corrente quente vinda do Caribe e permite alguns jardins sub tropicais.  Pouco mais adiante a neblina encobre quase toda a paisagem.

E era o tão esperado dia de tentar ver Nessie.  A mais completa das sortes naquele clima instável é chegar a Loch Ness e ser uma tarde de sol.  E assim aconteceu.

Começando pelo Castelo de Urquhart, mais um de história complicada e trágica.  Sua origem é desconhecida e talvez exista desde o século XIII.  Os primeiro ocupantes documentados são da família Durward.  Nos séculos XV e XVI o castelo foi tomado pelo clã Mac Donald.  Em 1688 o rei Jaime VII da Escócia e II da Inglaterra – e que se convertera ao catolicismo – foi deposto por sua filha protestante e seu marido Guilherme de Orange.  Ela assumiu como rainha Maria II, começando a guerra entre orangistas e jacobitas (Rei Jaime em latim é Iacobus Rex, daí serem jacobitas).  Em 1692, para evitar que Urquhart se tornasse fortaleza jacobita, seus ocupantes incendiaram e depredaram o local de forma que não pudesse ser recuperado.  São essas ruínas que estão lá para serem exploradas e foram deslumbrantes para mim.  As cores das pedras, do “loch” e da tarde eram incríveis.

C4 Castelo Urquhart 4

Paisagem preciosa de Loch Ness e as ruínas do Castelo de Urquhart.

Junto das ruínas há um píer, de onde saímos de barco.  E veio a decepção de não encontrar Nessie.  Apenas uma escultura feia no píer do desembarque a representava.

De novo na estrada no dia seguinte, chegamos ao Castelo de Eilean Donan, de origens no século XIII, e que foi uma das fortalezas jacobitas nos séculos XVII e XVIII, quando foi bombardeado e deixado em ruínas.  Em 1911 as ruínas foram compradas por John MacRae-Gilstrap, que iniciou sua restauração, ficando pronto em 1932.  Foi mobiliado para uso da família.

C5 Castel Eilean Donan

Castelo de Eilean Donan na bela paisagem tipicamente nublada da Escócia.

É considerado o castelo mais fotografado da Escócia, e se mantém com o aluguel para festas e ingressos da visitação pública.

Cruzamos de barco até a ilha Skye, no arquipélago das Hébridas, para conhecer suas falésias cheias de cascatas diretamente sobre o mar.

Voltamos para a ilha da Grã Bretanha e no programa do pacote estava escrito que aquele pernoite seria na animada e turística Fort Williams.  Marilza e eu saímos para procurar algum lugar que fizesse jus ao escrito.  Colhemos e comemos amoras deliciosas no caminho e na cidade encontramos um conjunto residencial para idosos, um centro comercial fechado, a igreja, o cemitério, o hospital e uma fábrica de cerveja desativada.  Nunca mais esquecemos a animação da cidade e vamos rir dela para toda a vida.  Ainda bem que tinha jantar incluído no hotel.

No dia seguinte chegamos às Highlands.  Sempre achei que o nome era por causa de montanhas e não era.  São assim chamadas porque são as terras mais do norte, por isso mais altas.  E por ali conhecemos grandes gracinhas peludas e fortes, gado da raça Highland muito dócil.

O herói local é William Wallace, tornado mundialmente conhecido depois do filme “Coração Valente”.  Foi ele que comandou a resistência escocesa no fim do século XIII quando o rei Edward I quis subordinar seu povo à coroa inglesa.  Executado em 1305, sua luta foi assumida por Robert de Bruis, que depois se declarou rei da Escócia.  Ele logo pediu apoio ao Papa, que na Idade Média era o responsável por reconhecer e investir de poder todos os reis da Europa.  Assim surgiu uma nova dinastia real escocesa.

O castelo mais importante da região é o de Stirling e logo na entrada havia nos jardins uma apresentação de música de gaitas.  Já gosto do som delas, num palácio escocês então nem se fala.

C6 Cast Stirling

Um dos pátios internos do Castelo de Stirling.

No centro do palácio fica o Pátio do Leão, com apenas duas portas, e que era a residência destes animais.  Muitas vezes Stirling foi danificado e reconstruído, havendo ali uma mistura de estilos e materiais.  Sua imponência permanece.  Pelas salas, aproveitando a diversidade, muitas reproduções de estilos, hábitos e modos de vida.

A visita à cidade de Stirling foi terminada depois de um tempo na feira de sábado, com música e brincadeiras para crianças.  Seguimos para Glasgow, última etapa do roteiro.

Logo na chegada à Catedral de Saint Mungo – padroeiro de Glasgow – começou a algazarra.  Havia um casamento. A noiva em seu vestido branco decotado apesar do frio tinha um buquê de flores negras.  Os homens todos trajavam kilts, inclusive o pequeno pajem.  Fizeram questão de serem fotografados, foram gentilíssimos e várias pessoas do grupo fizeram questão de deixar claro que achavam os kilts e seus acessórios muito elegantes e orgulhosos.

C7 Casamento em Glasgow

A elegância do kilt.

O circuito pelas ruas da cidade deixou claro a melancolia daquela que fora uma cidade próspera e rica durante a Revolução Industrial e agora estava meio falida.  Era evidente o abandono de edifícios preciosos, fechados e decadentes.  Muitos destes edifícios e o grande relógio de Charing Cross eram feitos numa pedra avermelhada e que agora mostrava o abandono e descuido.  Como na maioria dos dias, a neblina e uma chuvinha fina estavam presentes.  Isso devia piorar a impressão.

O governo tinha absoluto conhecimento da situação da cidade e para ajudar sua economia determinou que todo o uísque produzido no país devia ser enviado a Glasgow ainda em barris e só então seria classificado, envazado e exportado.

Meio decepcionadas com a cidade, resolvemos fazer um opcional a New Lanark no dia seguinte.  Boa decisão.

New Lanark foi uma cidade criada como experiência de trabalho e previdência social entre 1800 e 1825.  Tudo começou quando David Dale construiu o complexo de tecelagem em 1785, durante a Revolução Industrial, utilizando energia hidráulica do rio Clyde.   Em 1800 Robert Owen assumiu sua administração criando residências, cooperativa, assistência médica, escolas, creches e proibiu o trabalho infantil.

C8 New Lanark

Vista geral de New Lanark e o rio Clyde.

Apesar das mudanças na matriz energética, o complexo funcionou até 1968, quando foi abandonado.  Depois de restaurada, a experiência social de New Lanark foi tombada como Patrimônio Mundial.  Agora funcionava como museu e as antigas residências, modernizadas, voltaram à sua função.

De volta a Glasgow para o último almoço de frango e batatas, decidimos ficar ali pelo centro comercial, aberto aos domingos.  A economia da cidade girava em torno desse comércio, muitas vezes tocado por imigrantes de ex-colônias no Oriente.  A chuva não perdoou e acabamos passeando pouco e entrando em muitas lojas e galerias.

C9 Charing Cross Mansions

Charing Cross Mansions, outrora residências elegantes, na época com lojas populares e partes danificadas.

Nossa última manhã escocesa foi para explorar os arredores do hotel.  Sempre a percepção fácil do abandono do que havia sido grandioso.  A cidade é linda e merece recuperar-se.

Naquela tarde embarcamos para a Inglaterra, para uns dias de atividades por nossa livre escolha.

Quando fomos escolher hotel em Londres, preferimos ficar perto da estação de Paddington.  Mas não procuramos de qual aeroporto seria mais fácil chegar até ali.  Para sair da Escócia pedimos um voo que nos deixasse no aeroporto mais perto do centro.  Grande bobagem.  Ficamos dependendo de taxi, numa cidade de trânsito muito organizado mas intenso enquanto que se tivéssemos escolhido Heathrow teríamos um trem direto à nossa estação, a um quarteirão do hotel.  É errando que se aprende para não esquecer.

Era mais um hotel de antigos prédios conjugados, e novamente saímos arrastando malas e brigando com as escadinhas nas emendas entre eles.

Precisávamos providenciar passeios e ingressos.  O ônibus hop on hop off parava em frente do nosso hotel, este era fácil.  Já tínhamos decidido por tour local até Stratford-upon-Avon, Oxford e Castelo de Warwick, e outro dia seria Castelo de Windsor, Bath e Stonehenge.  Havia dúvidas se iríamos até Salisbury ou Brighton ou Liverpool e afinal não fomos.

Para o dia da chegada já tínhamos comprado ingressos para ver “Billy Elliot”.  E quase perdemos a apresentação.  O avião atrasou, pegamos trânsito até o hotel.  Banho e troca de roupa rapidamente e mergulhamos no metrô, que estava funcionando precariamente por causa da chuva da véspera que tinha alagado algumas estações.  Estação de Paddington só ia enchendo de gente e nada de transporte.  Aquela voz horrorosa do sistema de alto-falantes era difícil de entender e acabamos pedindo ajuda a uma moça.  Ela por acaso ia para uma estação próxima do nosso destino e ia ser nossa guia já que os passageiros seriam remanejados para outras linhas e teriam que fazer baldeação já que algumas estações foram fechadas para manutenção e limpeza.  Quando soube que éramos brasileiras mostrou seus pés com sandália Havaianas.  Explicou que era costume na cidade as moças trabalharem de sapatos elegantes mas irem e voltarem de “flip-flop”, menos cansativas.

Enfim chegamos e deu tempo de comer um sanduíche num fast food em frente.  O que foi providencial, na saída vimos tudo fechado.

Nosso primeiro dia completo em Londres começou debaixo de chuva.  Mas isso é parte de Londres.  É turístico.

Não via Londres há muitos anos e era a primeira vez de Marilza por lá.  Portanto era fazer o básico.   Começamos por Trafalgar e arredores.  Seguimos para a Igreja de Saint Margareth, mais conhecida por Abadia de Westminster onde quis visitar Charles Darwin.  Roda gigante London Eye.  Covent Garden.  Passeio de barco pelo rio Tâmisa e desembarcando na Ponte de Londres.  E foi aí a primeira besteira.  Distraída e sem contar nessas horas com a orientação geográfica de Marilza, voltamos ao ônibus para continuar circulando pela cidade quando percebi que tínhamos passado ao largo da Torre de Londres.  Perdemos um tempo precioso dando o retorno.

D1 London Eye, Aquarium e Tâmisa

Na ponte de Westminster tendo ao fundo a London Eye, o aquário e o rio Tâmisa.

Durante nossas caminhadas Marilza deu a ideia de irmos a outro musical.  Fomos buscar algo leve e escolhemos “We Will Rock You”, com as músicas do Queen.  Voltamos correndo ao hotel para nos arrumarmos e pegamos o metrô até o teatro, nesse dia sem problemas.  Adoramos e pulamos muito no final, que é quase uma festa.

No outro dia fomos ao velhíssimo castelo de Warwick, cuja presença vem de meados do século XI.  Mas ele se torna peça chave da História em 1451.  E todas as explicações estavam na exposição “Kingmaker”.

As casas de York (Eduardo IV) e de Lancastre (Henrique VI) disputavam o trono inglês, no que se chamou Guerra das Rosas, já que ambas as famílias tinham rosas como símbolo, sendo uma branca e outra vermelha.  Richard Neville, o senhor de Warwick, era aliado dos York, mas se sentiu desprestigiado e se aliou aos Lencastre.  Foi em seu castelo que planejaram uma das maiores e decisivas batalhas e onde ele foi morto.  Vários revezes aconteceram e ao final assumiu um novo rei, iniciando a dinastia Tudor com Ricardo III em 1485.  Casou-se com uma Lencastre e a união das duas rosas criou um novo símbolo floral representando essa união.

D2 Castelo de Warwick com fosso

O imponente Castelo de Warwick e seu fosso, agora um gramado.

A visita a Warwick é repleta de referências e reconstituições de eventos em diversas épocas, o que fica bem interessante para quem gosta de História.  Até festas são reproduzidas.

Seguindo as estradas, passamos pelos Cotswolds.  Lindo, mas monótono demais para mim.

Claro que em Stratford-upon-Avon o objetivo é conhecer a casa de Shakespeare e seus arredores, mantidos como no seu tempo.

E o passeio terminava visitando algumas das casas de Universidade de Oxford, com bonitos recantos e incríveis figuras humanas e de animais.  Um lugar que merecia mais um tempo.

De volta a Londres, ficamos nos portões do Palácio de Buckingham.  Eu já tinha avisado que não ficaria espremida para não ver pela terceira vez a troca da guarda.  Se Marilza quisesse podia ir e nos encontrávamos depois.  Ela não quis, então aproveitamos a tarde e fomos ver o palácio sem tumulto, o grande monumento à Rainha Vitória e o parque Saint James.

Outro dia para Londres.  Começamos indo de trem ao Jardim Botânico de Kew Gardens.  Mais que bonito, curioso e relaxante.

D3 Kew Gardens

Uma das áreas de descanso em Kew Gardens, um grande passeio.

Na volta para a estação de trens quis experimentar o cartão bancário para fazer saque em moeda estrangeira.  Não precisava mas queria aprender e ver valor de taxas, coisas assim.  Na máquina uma mensagem que dizia para eu procurar minha agência.  Como era uma caixa na rua, não estranhei.

Eu queria conhecer a igreja dos Cavaleiros Templários em Londres.  Tivemos que caminhar um pouco e se não tivesse pedido ajuda iria passar por ela várias vezes sem ver.  Ela fica num jardim interno, mantido por uma organização de advogados.  A entrada para o jardim é uma pesada porta de madeira na Fleet Street, bem perto do Dragão.  Gostei, mas esperava algo mais soturno, escuro e medieval.

Temple Church

Interior da Temple Church.

Comemos nem sei o que por ali mesmo.  Do outro lado da rua vi um símbolo conhecido, do banco que eu tinha tentado usar o cartão.  Fui numa de suas máquinas automáticas e deu a mesma mensagem.  Tentei outra máquina e deu igual.  Nem tentei falar com ninguém da agência.

Saindo dali, passamos por uma igreja anglicana, Saint Martin within Ludgate.  O que Marilza não tem paciência de ver igrejas, eu tenho de curiosidade.  Estiquei o pescoço para dentro e fui recebida com uma mão e um sorriso.  Era um dos membros da congregação nos convidando.  Entramos.  Lindinha.

Próxima etapa era lá no final a Catedral de São Paulo.  Paguei meu ingresso e ainda ganhei um desconto por idade de uma bilheteira brasileira.  Marilza negou-se a pagar ingresso para ver igreja.  Combinamos de nos encontrar no hotel para sairmos para passeios e compras no fim da tarde.

Àquela altura da viagem não tinha mais folego para subir até a cúpula.  Fui até onde deu.  Grandiosa como Westminster e completamente diferente.  Clara, ventilada, mais alegre.  Na saída encontro Marilza sentada me esperando.

Tarde para encarar Oxford Street e suas lojas tentadoras.  A quantidade de gente na rua era incrível e para não nos separarmos arrastadas pelas ondas de pessoas nos cruzamentos foi complicado.  Já era mais tarde e não me lembro em qual das grandes lojas nós duas nos perdemos; superamos as ruas e sucumbimos no interior do magazine.

Loja fechando, olhei pelas portas, o que era inútil pois tinha vários lados.  Peguei o metrô, jantei já perto do hotel e quando cheguei ao quarto ela já estava lá.  Claro que também tinha olhado as portas e desistido pelo mesmo motivo.  Jantou e voltou ao hotel.

Nosso programa seguinte incluía o Castelo de Windsor, a cidade de Bath e o místico Stonehenge.  A visita do castelo foi em parte guiada e com bastante tempo livre, suficiente para conhecer razoavelmente bem; afinal ninguém será capaz de conhecer bem um castelo daquele tamanho nem em meses.

Cast Windsor

Caminhando pelos gramados entre os pavilhões do Castelo de Windsor.

Em Bath a visita se limitou aos antigos banhos romanos, mas era um lugar que também mereceria mais tempo, caminhar pelas ruas simpáticas que apenas vimos do ônibus e pelos jardins charmosos.

Grandes Banhos

Os muito bem preservados banhos romanos em Bath.

Chegamos a Stonehenge com a chuvinha de sempre.  Lugar bonito pelos seus mistérios construtivos.  Nem posso dar palpite no lado místico porque sou uma nulidade no tema.  Mas impressiona pela dimensão da construção.

Pernas acabando, jantamos num hotel perto do nosso.  As malas nos esperavam.

Tínhamos a última manhã livre e fomos para Baker Street para as referências do fictício endereço de Sherlock.  Entramos no Museu de Cera, que é sempre diversão garantida.

MM Tussaud

Encontrei com Sean Connery, não interessa se é de cera.

Seguimos para uma caminhada por Regent Park, uma espécie de despedida dos famosos jardins ingleses.  As pernas sabiam que era dia de voltar para casa e protestavam furiosamente.

Queen Mary's Garden no Reg Park

Queen Mary’s Garden em Regent Park.

Forçamos nossos limites para pelo menos vermos a Harrods.

Ainda tentamos ir a uma parte gratuita do Museu Victoria and Albert que abrangia Ásia Central mas não aguentamos mais e só vimos umas duas ou três salas.  Paramos e aproveitamos para comer.

De volta ao hotel usamos os sacos de lixo grandes que eu tinha levado (nem eu sei de onde me veio essa ideia) para proteger as malas da chuva e saímos rebocando a bagagem por um quarteirão até a plataforma do trem para o aeroporto de Heathrow.  As horas de voo serviram para recuperar um pouco as pernas exaustas.

Voltamos cheias de paisagens novas.  Foi uma viagem que, fora o problema do hotel em Dublin, não teve nada funcionando errado.  Descobrimos que nem todas as ovelhas são iguais, que existem mais cervejas na Irlanda que apenas a famosa Guiness, que houve muita disputa e guerras nas dinastias britânicas.  A neblina tradicional estava lá, Nessie não apareceu, os gigantes não brigaram, eu levei um tombo, Marilza continua não gostando de visitar igrejas e chovia em Londres.  Tudo conforme o prometido.  Não teve nenhum caso engraçado, daqueles de muitas risadas, para contar.  Frango e batatas foram abolidos das refeições por um bom tempo.

Voltamos cansadas como em poucas vezes porque aproveitamos tudo, exploramos muito e nos divertimos plenamente.