2008 (abril) – Et vive la France

Estava escolhendo um país na Europa para explorar com mais detalhes.  Escolhi a França, por ser um destino onde poderia usar milhas da empresa aérea brasileira que já se sabia que ia acabar.  Tinha tantas milhas que davam ida e volta na classe executiva.  O resto seriam deslocamentos em trem, um pacote de três dias e um trecho aéreo doméstico.

♣  O roteiro: A base de operações seria Paris.  Daí partiria para os Castelos do Vale do Loire, Colmar, Estrasburgo, Carcassone e o que mais estivesse ao alcance.  Dias de turismo por minha conta, excursões e um pequeno pacote com operador local.  Quase tudo foi escolhido, já deixado contratado e pago daqui.  Foram boas escolhas, apesar de não ter sido tudo como eu queria.  Eu tinha o mês de abril para viajar por causa da companhia aérea, mas algumas opções de roteiros mais abrangentes ainda não estavam em catálogo.  Seria o meu ano na França.

A saída do Rio de Janeiro foi retardada por uma chuva torrencial.  Sem ter conexões, nada a preocupar.  Cheguei a Paris, fui de ônibus até o centro.  Meu hotel ficava junto da estação de metrô Saint Georges, mas carregando malas e sabendo que a estação só tinha escadas, optei pelo taxi.

Com a chegada mais tardia que o previsto, começando a escurecer, apenas me alojei, larguei a bagagem e fui procurar um bistrô para jantar.  Só na volta iria mexer em mala.

Comidinha leve e gostosa, hora de cuidar da bagagem.  Cena trágica, encontrei quase tudo molhado lá dentro.  O material do revestimento era cor mostarda, e diversas roupas estavam manchadas de amarelo.  A chuva tinha encharcado a mala, a água dissolveu a tintura e as roupas viajaram horas manchando.  Voltar ao aeroporto para reclamar, não adiantava; reclamar na volta ao Brasil, para mostrar manchas que já seriam antigas, adiantaria menos.  Respira fundo, lava o que for possível enquanto está úmido, as manchas que não saírem deixa para tentar de novo em casa e compra o que for preciso para repor.

Meu primeiro dia em Paris foi procurando um casaco mediano, já que a aplicação em branco do pulôver ficou horrível, e mais uma ou outra blusa que agradasse.  Enquanto passeava até o parque Tuilleries, consegui o que precisava nas lojas ali perto.  Não ia ficar procurando nem escolhendo muito, seria perda de tempo e sou ruim de compras.  Meti as compras na mochila e segui caminhando pelo parque.

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Nas Tulherias, vendo a Torre Eiffel e pronta para caminhar pela Champs Elisées.

 E fui embora pela Champs Elisées até chegar ao Arco do Triunfo.  Eu não sabia que a face voltada para essa avenida era uma referência ao hino frances, La Marseillaise.

As pernas que ainda restavam, usei nas escadas para ver lá de cima as avenidas que formam a “Étoile”, doze avenidas com nomes de militares ou de batalhas, como a famosa e cara Avenue Foch (Ferdinand Foch, herói na Primeira Guerra Mundial).

Jantei por ali mesmo, num daqueles restaurantes que servem menu turístico.  Não precisa pensar nem gastar muito.  Esperei as luzes acenderem, pontualmente às 21 horas.  E voltei de metrô para o hotel.  Merecia descanso e precisava ver como ficaram as roupas depois de lavadas e secas.  O pulôver continuava manchado, mas seria necessário carregar; se precisasse, se alguém reparasse, dava-se uma explicação.

Domingo era o dia do meu passeio já agendado a Giverny.  Antes, uma passagem por Auvers sur Oise onde Vincent Van Gogh viveu seus últimos anos e pintou várias paisagens.  Houve visita ao seu túmulo e do irmão, Theo. Interessante que foram colocadas fotos das pinturas nos locais que seriam o ponto de vista do pintor.

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Igreja de Nossa Senhora de Auvers e a reprodução do quadro que a retrata.

Ainda houve um tempinho no centro da cidade, mais sonolenta ainda num domingo nublado.  Na avenida Charles de Gaulle fica o museu instalado no antigo Auberge Ravoux, onde morou e morreu Van Gogh.

Depois a visita ao Museu de Arte Americana ou Museu Terra., com um tempinho para comer.

Finalmente a casa e os jardins de Monet.  A sensação é de estar passeando numa pintura.  Não era a melhor temporada das flores e ninfeias, mas é uma visita genial.

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Casa de Monet e suas flores.

E foi bom ter ido numa excursão local, pois na época o transporte para lá estava bem desorganizado.  Houve tempo suficiente para visitar a casa e passear sem pressa pelos famosos jardins.  Ou será que passeava pelas pinturas?

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Difícil explicar a familiaridade com essa ponte, tão frequente nas pinturas de Monet.

Soube lá que ele se submeteu a cirurgia de catarata, já relativamente segura nos anos 1920.  Não deve ter sido nada fácil, mas sua vontade de continuar pintando deve ter sido decisiva.

À noite, de volta a Paris, fui jantar no Leon de Bruxelles, na filial da avenida Champs Élysées.  Festa de mariscos na panelinha.  Ou se preferir, francesamente falando, panelinha vira cocote.

O outro dia em Paris tinha um roteiro previsto, tudo de metrô, que é eficientíssimo, anda-se para todos os lugares com ele, há sempre uma estação próxima de onde se quer chegar e a conexão de linhas é fácil.

Não fui a show de Lido nem similar, mas queria ver o Moulin Rouge durante o dia e encontrei uma das estações de metrô que preservam aquele charmoso e antigo letreiro de ferro.

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O tradicional moinho vermelho.  Mais bonito em frances – Moulin Rouge.

Dali segui para o cemitério de Père Lachaise, e na entrada há disponível um mapa com os túmulos mais procurados.  Fui buscar Jim Morrison, Hausmmann e Oscar Wilde, este coberto de marcas de batom dos beijos que recebe.  Vi muitos outros mais.

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Túmulo beijado de Oscar Wilde.

Já no caminho da saída vi um grupo limpando um local, enquanto ouviam música.  No meu péssimo frances perguntei quem estava ali.  Responderam que era Gilbert Becaud, e quando complementei “ah, o cantor de Et Maintenant” fui abraçada e beijada pelo pessoal de seu fã clube.  Fizeram questão que eu tirasse uma foto delas (junto do túmulo, é claro) para trazer ao Brasil.

Se podemos falar assim, é um cemitério animado.

Fui ver a torre Eiffel, talvez subir, dependendo do tamanho da fila.  Desabou uma tempestade, com direito a bolotas de granizo.  Meu abrigo foi uma cabine telefônica, que acabei compartindo com uma moça e seu filho pequeno, atordoada por não conseguir proteção.  Tudo muito espremido mas sem danos.  A subida da torre foi interrompida, e resolvi fazer o passeio de barco pelo Sena, que há muitos anos atrás tinha feito à noite.  Uma anotação em minhas fotos é que descobri neste dia que na França há rios femininos e rios masculinos.  O Sena é feminino.  Não há razão lógica de tamanho nem importância, apenas tradição.  Mas ficou a sensação de tarde perdida.

Depois de jantar, fui com meu bilhete de metrô, que também serve para o trem RER, até o Palais de Chaillot, em Trocadero.  O local é escuro, parece meio assustador; porém, com a vista que oferece para ver a torre Eiffel iluminada, fica cheio de turistas e camelôs, perfeito.  Eu gosto muito desta paisagem.

O metrô é sujo, descuidado e o lixo é persistente.  Todos os dias descia pelas escadas em frente ao hotel, comprava meu bilhete diário – a moça da cabine já me cumprimentava – e encontrava todos os dias os mesmos papeis nos mesmos cantinhos.

Tive a triste ideia de voltar a Versalhes.  Minha mãe insistiu tanto que eu fosse lá que acabei indo.  Cheio demais, gente empurrando, ficando na frente das fotos alheias, uma fila de dar voltas para ir a um único banheiro.  Versalhes pode esquecer de mim, não volto.  Lindo, mas não volto.

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Nos jardins de Versailles.

À tarde fui com turismo local a Chartres.  A visita é exclusivamente à Catedral de Notre Dame de Chartres, onde os vitrais têm um tom de azul tão especial que leva o nome da cidade.  Foi bom ter ido com guia, eu jamais perceberia os detalhes pagãos e símbolos místicos, inclusive os signos do zodíaco e referências mitológicas.  Beleza sobrando, claro que seria uma boa visita, mas quanto aos detalhes escondidos, o leigo só vê quando mostrados e ainda assim alguns são difíceis de perceber.

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Catedral de Chartres e suas figuras góticas.

A principal destas referências e um dos marcos da igreja é um labirinto em pedras, com mais de 250 metros, usado por monges e peregrinos meditando enquanto caminham sobre ele, já que o lugar faz parte de um dos Caminhos de Santiago.  Dentro da Catedral é permitido fotografar sem flash, mas a luz não ajudava.

Essa catedral foi concluída em 1260; tem uma torre piramidal com 105 m de altura.  A outra, em estilo gótico flamejante, aquele bem cheio de desenhos e recortes, tem 113 m.  Segundo a lenda, desde 875 guarda a túnica da Virgem Maria, trazida de Jerusalém pelo rei Carlos Magno.  Vários incêndios destruíram as edificações anteriores sem danificar a relíquia.  Das 3 rosáceas de vitrais, a do norte foi presenteada pela rainha Blanche de Castilla (mãe de Luis IX, canonizado São Luis) em 1230 e representa a Glorificação da Virgem.  O edifício nunca foi danificado nas diversas revoluções havidas no país.  E o azul de Chartres é realmente diferente.

Mais um dia circulando por Paris, desta vez para subir a Torre de Montparnasse que não conhecia.  Troquei uma torre por outra.   O prédio moderno é um espantalho, a vista da cidade é boa.  E dali parti para um circuito de igrejas.

Primeiro foi Saint Sulpice, cenário de “O Código Da Vinci”, com a sua Linha Rosa, o antigo meridiano que dividia o mundo antes de ser adotado Greenwich, e o gnomom de São Hipólito.  Ainda bem que está explicado lá que gnomones são instrumentos criados para medir a altura do sol através da sombra formada e a Igreja Católica usava para calcular as datas das festas religiosas.  Provavelmente a igreja católica nega mas é um lado pagão que lembra calendários romanos, incas ou maias, baseados em astros e fenômenos naturais.

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O marco branco cortado pela Linha Rosa, que se prolonga pelo chão.

Seguindo a pé, fui para Saint Germain des Pres.  E merecia um chocolate no Café Deux Magots.

Continuando a quase via sacra, Notre Dame de Paris.  Sempre lotada.  Sempre bonita.  Sempre protegida pela enorme figura do Imperador do Sacro Império Romano Carlos Magno (747 a 814).

Foi a primeira vez que tive tempo de rodear o templo, ver seus detalhes, seus arcobotantes e seus relevos.  Pena que muitas das gárgulas estavam bem danificadas.

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Os arcos e os desenhos pelo lado menos conhecido de Notre Dame de Paris.

Pausa na religiosidade para desfrutar uns momentos nos Jardins de Luxemburgo.  Neste dia de tantas igrejas, Marilza (amiga que às vezes viaja comigo) já teria me matado.

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Jardins de Luxemburgo para descansar de um dia todo a pé.

E à noite, para completar o tour sacro, o bairro de Montmartre e a Basílica de Sacre Coeur.  Subi de plano inclinado, também do meu bilhete diário de transporte.  Nas escadarias tem música, acrobacia, camelôs e muito vinho que a turma jovem bebe direto da garrafa.  Os artistas de rua, especialmente os caricaturistas, estão lá na praça.  Quase fui posta para fora da igreja porque tentei tirar uma foto.  E foi por lá mesmo que jantei.

As luzes se acenderam e a cidade ganha uma vida diferente.  Para voltar, usei o pequeno ônibus de motor elétrico que desce pelas ladeiras cheias de curvas até quase em frente ao Moulin Rouge.  Tomei um susto quando vi a turma que se espalhava por ali.  Desci para o metrô e fui para a área tranquila do meu hotel Lorette.

Sou fã de Asterix, Obelix e sua turma.  Morria de vontade de conhecer o Parc Asterix, nos arredores de Paris.  Descobri que o acesso era meio complicado e mais uma vez optei pelo turismo local.  Passei o dia no parque, me enchi de sanduíches franceses, andei num monte de brinquedos, me molhei toda no toboágua e tive que ficar um tempo secando ao sol, sentindo um pouco de frio porque nem estava tão quente assim.  O parque tem uma parte dedicada a crianças bem pequenas.

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Passeando nos barco junto de Obelix.

Na volta, o desembarque era no subsolo do Louvre, e minha ideia era jantar no Carroussel.  Só que estava fechado.  A fome era grande depois de um dia brincando.  Passei por um restaurante que achei simpático, com um jeitinho Art Nouveau.  Entrei e quando ultrapassei a segunda porta quase voltei de vergonha.  Eu estava toda amarrotada depois de secar ao sol, o cabelo bem arrepiado.  E o local era frequentado por gente bem mais elegante que o meu aspecto.  Não me dei por vencida.  Sentei, pedi um vinho e um risoto, regalei-me com o jantar.  Paguei a conta ao final e saí de fininho.  Se alguém notou meu estado quase deplorável, nunca mais ia me ver mesmo.

Precisei acordar cedo no dia seguinte.  A mala grande ficou no hotel e saí puxando minha maletinha.  Comprei bilhete de uma só viagem no metrô e desci a escada suja de sempre.  Quando cheguei na plataforma vazia não sabia onde me meter nem para onde olhar, já que dois rapazes faziam sexo na plataforma oposta.  Meu trem não demorou muito e eles continuaram lá.  Neste dia começava o pacote de quatro dias para visitar Mont Saint Michel e alguns castelos do Vale de la Loire, outro rio feminino.

O começo foi em Saint Michel, uma abadia sobre um rochedo com todos os ingredientes para não ter inveja de “O Nome da Rosa”.

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Minha primeira visão de Mont Saint Michel.

Mas antes da visita houve o almoço.  Foi explicado que seria servida uma espécie de omelete tradicional, feita com ovos muito batidos mas pouco cozidos.  Uma das turistas, mesmo assim, fez um escândalo por causa do ovo cru que lhe deram.  Ninguém conseguiu fazê-la acalmar, levantou-se e foi esperar no ônibus.

A abadia não tem tantos elementos de sua velha ornamentação e altares, ela é apenas imponente e forte. Criada por um bispo, recebeu monges beneditinos no século X, quando a vila do entorno cresceu.  Resistiu à Guerra dos Cem Anos (1337 a 1453, portanto mais de cem) contra os ingleses.

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Claustro de Saint Michel, conhecido como “A Maravilha”.

A abadia é do século XI e desabou em parte no século XV, sendo logo reconstruída.  Com a dissolução religiosa depois da Revolução Francesa, seu rico acervo desapareceu e as instalações viraram prisão.  Foi declarada Patrimônio da Humanidade em 1979.

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Da antiga vila no entorno da abadia às lojas de suvenires.

Não dá para descrever cada castelo, cada jardim.  Cada um tem seu jeito, alguns ainda são usados como residência permanente e a família abre para visitação, o que é uma forma de arrecadação para ajudar a manter aquelas propriedade caríssimas.

Por causa de guerras religiosas, a corte se mudava com frequência e daí foi surgindo a quantidade de castelos pelo vale do Loire.  Primeiro passamos por Saumur, com um parada junto da ponte para fotos do castelo.

O primeiro visitado foi o Castelo de Langeais, construído por ordem do rei Luis XI em meados do século XV.  Seu último proprietário o comprou em 1886, recuperou e buscou mobília de época para seu interior.  Sem herdeiros, deixou-o para o Instituto da França.

Seguimos para Amboise.  O castelo que leva o nome da cidade fica junto do rio Loire, no centro antigo.  Por ali descobri lojas de balas lindas.  Não sou fã de balas, apesar de gostar muito de doces, porém essas eram irresistíveis.

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Castelo de Amboise, no centro antigo da cidade.

Nos arredores fica o outro castelo, talvez mais divulgado, o Clos Lucé.  Foi construído em 1471 pelo mordomo de Luis XI. Em 1490 foi comprado pelo rei Carlos VIII, que passou a usá-lo como residência de verão.  Ali morou Leonardo da Vinci a partir de 1516, a convite dos reis franceses após ter problemas na Itália; dizem que foi ali que concluiu sua Monalisa.  Pode ser mais famoso, mas preferia ter visitado o outro.

O dia terminava e ainda tinha os jardins do castelo de Villandry, que foi meu encanto do roteiro.

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Jardins formais de Villandry.

É residência de uma família, com jardins abertos à visitação.

Além dos jardins geométricos e um pouco de labirintos, há uma parte que segue a tradição religiosa que algumas famílias adotaram desde a Idade Média, os jardins de legumes e verduras fazendo desenhos coloridos.

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Não deve ser nada difícil morar aqui rodeado desses jardins.  Deve é custar muito caro.

E foi dele que tirei mais fotos, encantada com suas simetrias e desenhos, misturando flores com repolhos, ervas medicinais com alimentos.

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Canteiros com legumes coloridos, ervas medicinais e folhagens alimentícias.

Essa tarde terminou no simpático centro velho de Tours.  Na realidade é um grupo de edificações que não foram totalmente destruídas durante a Segunda Guerra e que foram transferidos para ali, formando a praça.

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O centro recriado em Tours.

E no meio da caminhada, uma figura curiosa e simpática olhando os turistas de todo mundo passarem por ali.

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O reizinho vendo as pessoas do alto de sua sacada.

Uma pena que o hotel era longe da cidade, na saída para a rodovia.  Tours tinha jeito de bons momentos de lazer.

E chegamos ao último dia de passeio.  Faltavam duas estrelas famosas.

Acredito que ninguém conheça todos os castelos do vale, mas certamente entre eles se destaca Chenonceau, o Castelo das Sete Damas.  Vale repetir a história que ouvi.

Sua construção em 1513 foi orientada por Katherine Briçonet, mulher do proprietário Thomas Bohier.  Por causa das dívidas, perderam-no para a família real.  O rei Henrique II presenteou-o à amante Diana de Poitiers em 1547, que amplia e constrói a ponte de arcos sobre o rio Le Cher.  Com a morte de Henrique II, assume a regência Catarina de Médici.  Catarina retoma e amplia o castelo, dando-lhe o andar superior.  Em 1589, Louise de Lorraine-Vaudemont recebe aí a notícia do assassinato de seu marido o rei Henrique III, e torna-se a “Rainha Branca”, cor do luto àquela época, até sua morte.    Em 1624, o rei Henrique IV o presenteia para sua amante Gabrielle d’Estrées.

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Castelo de Chenonceau com as arcadas construídas por Diana de Poitiers sobre o rio Cher.

A sexta dama foi Louise Dupin, que o salvou da destruição na Revolução Francesa.  No século XIX pertenceu a Madame Pelouze, a última das sete damas que o administraram.  Desde 1913 é propriedade da família Menier, importante produtora de chocolates franceses.  Os jardins decorados foram reconstruídos conforme plantas do período de Diana de Poitiers.

O castelo seguinte foi apenas visto na área externa, toda verde e sem flores ou plantas coloridas, de Cheverny.  É residência da família Hurault desde 1620.

Nunca foi um castelo da realeza, mas de conselheiros e oficiais do rei.  Não é permitido fotografar e internamente vem sendo modificado e modernizado pelas sucessivas gerações.  Não há flores, apenas grandes gramados e árvores.

No centro da cidade de Cheverny, junto da igreja de Saint Etienne, vi um canteirinho de flores que chamou minha atenção.  Flores negras, bem negras.

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As pequenas flores negras.

Depois do almoço o último castelo, Chambord.  Silhueta inconfundível, nome de um modelo de carro frances, foi construído para ser um pavilhão de caça a partir de 1519 pelo rei Francisco I, é o mais exagerado de todos os castelos do Vallée de La Loire, com 77 escadas e 282 chaminés.

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Torres de Chambord.

Seus sucessores também gostavam de caçadas e concluíram a obra.  Não tinha mobiliário próprio – cada rei que se deslocava para caçar, levava e retornava à corte com todas as peças.  O deposto rei Stanislas da Polônia, sogro de Luís XV, residiu nele entre 1725 e 1733.  Sua escadaria principal em espiral dupla pode ter sido projetada por Da Vinci, que morrera pouco antes do início das obras.

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Há um certo excesso de detalhes em Chambord.

Como em outras edificações da época, foi usada pedra calcária macia chamada tufo, mas em quantidades e formas enormes e rebuscadas.  Não há duas torres iguais. Classificado como propriedade nacional, somente o presidente da França que tem direito a caçar nos seus 5.440 hectares cercados por muros, o maior parque florestal fechado na Europa.

O passeio terminou em Paris.  Voltei de metrô ao mesmo hotel, afinal, a bagagem estava lá.  Para jantar, comprei lanche na Paul, que adoro.  Há lojas em estações de trem ou algumas de metrô e muitas vezes inclui um belo e saboroso sanduíche, uma sobremesa e uma bebida.

Mais um dia inteiro para fazer o que quisesse em Paris.

Comecei meio tarde e fui direto à Sainte Chapelle.  Para ela só me lembro de uma palavra: magnífica.  Sainte Chapelle foi erguida em dois andares entre 1242 e 1246 por ordens do rei Luis IX para guardar as relíquias da coroa de espinhos de Jesus que comprara em 1239 do rei Balduíno II de Constantinopla.  O rei Luis IX participou da 7ª e 8ª Cruzadas, morreu em 1270 em Tunis e foi canonizado como São Luis.

 

 

Capela Alta.

A Capela Baixa é dedicada à Virgem, enquanto as relíquias ficavam na Capela Alta, a capela real.  É um dos dois únicos edifícios restantes do palácio dos reis franceses entre os séculos X e XIV.  Como símbolo da realeza, foi saqueada durante a Revolução Francesa e parte das relíquias se perdeu.  Sua recuperação foi iniciada em 1846.  É considerada obra prima da transparência do estilo gótico com vitrais substituindo paredes na Capela Alta, sendo que dois terços deles são originais, apesar de revoluções e guerras.  É preciso sentar um pouco no andar de cima para poder respirar e olhar para cada lado, cada cor.

Fui dali para umas modernidades meio feiosas, talvez porque não combine com o conjunto tradicional de Paris.  Fui até o Arco de la Defense.

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Achei que a Pirâmide do Louvre fosse mais esquisita, de tanto que li e ouvi falar mal dela.

E para não dizer que não estive lá, fui conhecer a Pirâmide do Louvre.  Confesso que não tinha intenção nenhuma de ficar horas na fila para entrar no museu.  Já tinha desistido dias antes de ver uma exposição sobre Maria Antonieta, nem lembro se era no Grand ou no Petit Palais, mas duas horas de fila me expulsam de qualquer programa.

Fui para as Galeries Lafayette e terminei meu dia por lá.  Hora de voltar ao hotel, reorganizar bagagem e preparar tudo para o próximo passeio.

Saí cedo do hotel para a Gare de L’ Est.  Seguia para Nancy com o objetivo de ver uma praça famosa e nem de longe imaginava que seria uma tremenda praça, daquelas de cair queixo.

Viagem tranquila, desembarquei e fiz um pouco de trapalhada até descobrir onde ficava o depósito de bagagem.  Arranjei um mapa e saí caminhando.  A avenida que escolhi não dava boas impressões iniciais sobre a cidade.  E quando a rua acabava, dava para ver um portão.  E aí começava a surpresa.

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A estranha primeira impressão de Nancy.

A Place Stanislás é um grande espaço cercado com grades negras com decoração em relevo a ouro.  Quando o rei Stanislás I Leszczynski da Polônia (o mesmo que morou em Chambord) foi destronado em 1737, o rei de França Luiz XV deu-lhe de presente o Ducado de Lorena, onde fica Nancy.  Afinal, seu sogro merecia um presente.

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Grades e fontes da Praça Stanilas, um luxo.

Uma grande área que separava as partes da cidade serviu para a praça que foi criada, tendo como principal arquiteto Emmanuel Héré de Corny.  O espaço deveria ser magnífico, já que estava sendo criado em honra de seu genro.

No entorno foram erguidos prédios administrativos, até hoje mantendo este uso.  As obras se estenderam de 1752 até o final de 1755.  As grades foram criadas por Jean Lamour e as fontes foram de Barthélémy Guibal.  Algumas estátuas ocuparam o centro da praça até que em 1831 foi colocada a do rei Stanislás, que passou a dar nome a ela.  Depois de ter sido usada como estacionamento, sua maior restauração foi em 2005, quando retornou ao aspecto do projeto do século XVIII.  Stanislás deve ter ficado satisfeito com o resultado, a praça é um esplendor e vale a visita.

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Detalhe de um dos portões.  Grades, luminárias e adornos são similares mas não iguais em toda a volta.

Caminhei ainda pelos arredores e resolvi desfrutar o sol e o lugar almoçando com vista para a praça.  Voltei por outro caminho, mais comercial e mais recente até a estação ferroviária e dali segui para Colmar, cidadezinha recomendada por uma amiga que conhece muito de França.  No caminho tive vontade de chorar, o tempo fechou e chovia torrencialmente.  Desceu uma neblina e pela janela não se via nada.  Eu só tinha aquele fim de tarde e a manhã seguinte em Colmar.

Desembarquei tão chateada que não percebi o hotel em frente a mim.  Quando pedi informação a uma mocinha que saia da gare com sua bicicleta ela apenas riu e apontou com a mão.  Ri sem graça e lá fui eu para a calçada em frente.

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Para justificar a vergonha que passei, fotografei a estação de trens da varanda do meu quarto.

Roupinha quente, hora de sair com chuva mesmo e conhecer um pouquinho da cidade.  No balcão perguntei como podia caminhar até o centro da vila e me indicaram a direção.  Podiam ter me dito que o ônibus parava em frente, não precisava tomar chuva.  E no meio da caminhada o guarda-chuva quebrou.  Ohhh alegria!

Cheguei ao pedacinho mais fotografado da cidade, a ponte sobre seu canal.  Olhei em volta e comecei a ficar mais animada.  Parou de chover, peguei as informações sobre o passeio de barco para o dia seguinte e fui para um bistrô ali mesmo.  Fui apresentada ao vinho branco da região e à Tarte Gratinée.  Que delícias.

Voltei pelo mesmo caminho, equilibrando o guarda-chuva quebrado.

No dia seguinte tive a informação do ônibus direto à maior loja de departamentos da cidade para comprar o bendito guarda-chuva.  Ainda comprei várias cegonhas de feltro para trazer de lembrancinhas.  E dali fui caminhar.

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Rue des Marchands.

Caminhar muito, passar sob arcos, ao lado de canais, de prédios seculares, de igrejas com cegonhas na torre.  A cidade é muito aconchegante, mesmo com a umidade que havia.

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Place de l’Ancienne Douane.

É fácil descobrir um dos edifícios mais típicos da cidade, a Casa Pfister.  Foi construída e sempre preservada por seus muitos donos.  Ficou conhecida pelo nome de seu quarto proprietário, que a comprou em 1840.  Faz alguns anos que é Monumento Nacional.

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Maison Pfister.

Passando por uma loja masculina, havia pulôveres de lã, lã mesmo, por dez euros. Eram os últimos 3 ou 4 que havia na loja, por isso preço tão bom.  Nem pensei duas vezes, comprei um, preto, meio sem graça mas perfeito para substituir o meu que não consegui tirar a mancha.

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Commenderie, o ponto principal da Petite Venise.

Colmar pode ser resumida: é uma gracinha.  Pequenina, dá para caminhar sem pressa em poucas horas.  Claro que mereceria mais tempo, que eu não tinha.

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Rue des Clefs, o centro comercial e bancário de Colmar.

Almocei por ali mesmo, voltei ao hotel, peguei a bagagem que já estava na portaria.  Atravessei a rua sem estar perdida e embarquei no trem para Estrasburgo.

Lá fazia um dia de sol.  Saí do hotel e fui seguindo as instruções para chegar à Oficina de Turismo.  Nem precisava.  Era só dizer para seguir a torre da catedral e a sala ficava na calçada oposta.  Queria fazer o passeio a Riquewihr, e consegui vaga para o dia seguinte.

A Catedral de Estrasburgo me pareceu bem diferente.  Foi inaugurada ainda na primeira metade do século XV e como era habitual de sua época, foi erguida com pedras e com seus arcobotantes perfeitos.  Em excelente estado de conservação aos meus olhos leigos, gárgulas restauradas em toda a sua feia formosura, cavaleiros e animais sem partes faltando.  Seu exterior é muito decorado, parecendo um bordado em pedra.  É tanto detalhe que o pescoço dói de tanto olhar; só que é impossível parar de olhar.

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Cavalos e seus cavaleiros, gárgulas e flores em pedra.  Uma fachada incrível na Catedral de Estrasburgo.

Entrei e aí estava a diferença.  Em seus vitrais dominavam os tons amarelados e alaranjados, o que dava uma cor pouco comum ao seu interior.  Fiquei parada, girando para ver todos os tons.  Decidi que voltaria em outro horário para perceber os efeitos da luz, rezando para não estar nublado.

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Cores quentes nos vitrais da Catedral.

Muitos turistas na cidade.  E caminhando para o rio, consegui saída na mesma hora para um passeio de barco pelo Ill.  E foi um dos melhores que já fiz.  Não era longo mas era diversificado, bem interessante, mostrando o melhor da cidade velha.  Cidades velhas geralmente cresceram nas margens de rios.

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Entrando numa das eclusas do rio Ill.  O passeio mostra coisas bonitas da cidade.

Pertinho do cais entrei num restaurante.  Não podia ser diferente: vinho Gewurztraminer e Tarte Gratinée.  Não precisava de mais nada.  O dia estava completo.

Voltei de bonde, que virou meu modelo de transporte público frances.  Plataforma alta, acessibilidade perfeita, mostrador de tempo de espera, um sonho.

Manhã para voltar à Catedral.  Parecia mais clara com a luz da manhã, menos avermelhada.  Continuava maravilhosa e foi para a minha lista de igrejas preferidas.

Fui até Petite France.  O nome vem do tempo em que a Alsácia pertencia à Alemanha.  As pessoas com doenças venéreas vinham se tratar ali.  Os alemães diziam que tais doenças eram culpa dos franceses e debochavam dizendo que ali era a Petite France.

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Petite France, junto do Rio Ill.

Nesta tarde tinha a visita a Riquewihr e a um castelo que nunca ouvira falar: Haut-Königsbourg.  Que boas surpresas.

Passamos primeiro pela vila de vinicultores onde nasceu a Miss France 2004, orgulho local e grandes cartazes com suas fotos.

Começa a subida até o castelo-fortaleza nas montanhas Vosges, cruzando o vale do rio Reno, fazendo a fronteira com a Alemanha das montanhas da Floresta Negra. Na chegada, fomos recebidos por um artista local, um passarinho alaranjado e castanho fazendo sua festa com um canto muito maior que seu tamanho.  Paramos para escutar, ele merecia.

Haut Königsbourg provavelmente surgiu como uma das fortificações criadas do Frederico de Hohenstaufen, Duque da Suábia em torno de 1105.  No início do século XIII passou para os Duques da Alsácia e foi danificado durante guerras locais.  Mais tarde passou à propriedade da família real dos Habsburgos e foi doado aos Thierstein em 1479.  Eles iniciaram sua adaptação para a artilharia mas perderam a posse por causa de dívidas.   Sucederam-se vários ocupantes e funções militares.  A Guerra dos Trinta Anos, envolvendo a Áustria dos Habsburgos, chegou até a Alsácia e o castelo foi atacado, pilhado e incendiado pelos suecos em 1633.  Seguiram-se quase trezentos anos de abandono.

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Conjunto de Haut Königsbourg.

Em 1865, as terras da fortaleza passaram ao patrimônio da cidade de Sélestat e em 1871 toda a região da Alsácia passa ao domínio alemão. A comunidade de Selestat, preocupada em recuperar seu velho castelo, decidiu doar as ruínas ao Kaiser Guilherme II em 1899, que encarrega o arqueólogo Bodo Ebhardt da restauração e modernização.  O bom estado das ruínas permitiu que o estudioso da Idade Média pudesse recuperar sua grandeza, mesclando novos recursos, como pode ser visto na sala de armas medievais onde existe uma lareira de cerâmica.  Com o Tratado de Versalhes em 1919, a propriedade volta à França.  Foi ocupado novamente pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e mais uma vez retornou ao patrimônio francês.

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Acesso ao castelo.  À direita, reprodução da foto em preto e branco de como foi encontrado esse pórtico.

Logo na entrada dá para perceber o cuidado que o arqueólogo teve.  Há reproduções de fotos da época de como o local estava.  O mesmo se repete pelo interior.  Foi uma visita fascinante.

Dali passamos por Bergheim e suas casinhas coloridas, algumas em cor de lavanda.

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Centro de Bergheim.

Riquewihr é outra das vilas vinícolas ao longo do Reno, quase todos brancos, como o característico Gewurtztraminer (tem gosto de flor, sem ser adocicado).  A primeira e tradicional parada em Riquewihr é no alto dos vinhedos.

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Os vinhedos descem a encosta e lá em baixo está Riquewihr.

Depois é descer e caminhar pelas ruas de muitas casas de vinho, além das gostosuras doces.

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Parecem casinhas de fantasia no centro de Riquewihr.

As lojas mantêm o tipo de propaganda que se usava há alguns séculos, com bonecos ou peças indicando o tipo de atividade exercida. Cada pedaço de Riquewihr parece casa de bonecas.

Tenho que confessar que, apesar do vinho delicioso que provamos na visita a um produtor, eu estava era ansiosa para me envolver naquelas ladeiras suaves com piso de pedra, com sua torre do relógio e casinhas de brinquedo.

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O antigo estilo de propaganda.

Tinha a manhã livre em Estrasburgo.  Fui mais uma vez à Catedral que me encantava.  Caminhei sem destino e fui seguindo o rio.

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Um pouco da silhueta da catedral e o entorno da praça.

Na volta ao hotel tinha um recado da agência de turismo que a referência do meu cartão de credito não autorizava o pagamento do passeio.  Dei o número de outro cartão e na mesma hora tudo foi resolvido.  Antecipando encrencas, o mesmo banco emissor deste cartão de crédito me bloqueou numa viagem seguinte, impedindo saque no exterior.  O final conto depois.

Peguei a maleta, mais uma vez usei o bonde pelo qual me apaixonara e embarquei de volta a Paris.  E foi neste trem que descobri a besteira que tinha acontecido com meu passe ferroviário e que podia ter me causado uma baita encrenca, além de pagar multa.  O primeiro fiscal do trem que embarquei, entre Paris e Nancy, não validou meu passe.  Depois fiz mais dois trechos e continuaram não validando.  Por sorte eu tinha anotado no passe os horários e números dos trens que usei.  Por sorte o fiscal deste trecho percebeu que houvera um engano, não era coisa de má fé, e não me multou.  Acertou tudo, validou o bilhete e tentou me dar uma bronca.

Na chegada, passei numa Paul, comprei um combo completo para jantar, metrô até o hotel.  Aí era só comer e descansar porque ainda tinha mais.

Um sábado livre em Paris.  Destino certo era o Museu D’Orsay.  Cheguei pouquinho antes da abertura, o suficiente para entrar no primeiro grupo, já que é controlado o número de visitantes que está lá dentro.

O local é sensacional.  Adorei o relógio grandão, talvez por causa da antiga função do local, de estação ferroviária.  Não sei se permanente ou temporária, a exposição de mobiliário e decoração interna de peças em Art Nouveau me deixou deliciada.

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Um charme esse museu na antiga estação.

Dali fui para o Centre Georges Pompidou e não tive a mesma sensação.  Caminhei por Les Halles e arredores.  Já sentia algum cansaço de fim de viagem chegando.

Saí para jantar em algum lugar perto do Arco do Triunfo, para as despedidas daquele recanto luminoso entre avenidas.  Errei, e quando as luzes acenderam não iluminaram nem ele nem seu entorno.  Acontece.

Domingos de manhã cedo podem ser complicados de conseguir um taxi, então tinha contratado um transporte para me levar até o aeroporto de Orly, de onde saía meu voo para Toulouse.

A minha opção de hospedagem em Toulouse tinha dois motivos: tinha aeroporto podendo voltar a Paris para fazer conexão na volta e ficava perto de Carcassone.  Depois de mais de vinte anos esperando eu ia conhecer de perto aquela que eu só vi a silhueta de longe.  Tudo certo e lá cheguei eu para hospedagem num hotel bem central.

Fui caminhar pela área próxima, queria ver logo a Basílica de Saint Sernin, consagrada em 1096 e sempre modificada até sua atual forma românica com a torre de várias faces.  É considerada a maior igreja da Europa em seu estilo.

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Um patrimônio românico protegido – Basílica de Saint Sernin.

Em algum lugar tinha lido que a cidade era famosa pelo produtos feitos à base de violetas.  Nas lojas perto da igreja achei tudo caríssimo.  Dali fui jantar numa praça sobre a qual tinha a informação de ser bem animada e era um tédio só.

Dormi um pouco a mais do que devia e cheguei na estação de trens era quase dez horas.  Com meu passe na mão, e já escaldada pelo susto no início da viagem, fui até a bilheteria.  Meu passe não dava direito a qualquer trem.  Teria que esperar um regional por mais de uma hora.  Se não há opção, o jeito é esperar e depois apreciar a viagem parando nas cidadezinhas.

Cheguei a Carcassone depois de meio dia.  Tempo ruim mas não chovia.  Fui informada que o caminho a pé era fácil e bonito.  Só esqueceram de dizer que andaria mais de uma hora.  Perdi tempo e estava ficando entre frustrada e chateada com as coisas acontecendo de forma complicada.  No meio do caminho até tentei um taxi porém não consegui.

Por fim cheguei lá e estava de frente para as muralhas.  Entrei pelo portão junto da figura de Madame Carcas.  Conta a lenda que Carlos Magno cercava a cidade e pretendia uma rendição pela fome.  A senhora determinou que engordassem um porco e um dia mandou que o animal fosse atirado para fora.  Carlos Magno entendeu que se havia um porco tão gordo é porque a comida era bastante.  Quando se retirava, Carcas manda soar o sino (Carcas sonne, a origem do nome) e pede o retorno do conquistador.  E com o estratagema do porco, pode negociar com ele uma saída honrosa para a cidade e seu povo.

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Porte Narbonaise, onde fica a figura lendária de Madame Carcas esculpida em pedra.

Ali eu tive a sensação de estória de princesa, mesmo sabendo que a Idade Média não tinha nada de romantismo e leveza.  E ali onde eu estava havia um drama a mais.  Era País Cátaro, um grupo de cristãos rebeldes aos olhos dos governantes.

A origem da ocupação daquele morro vem desde antes de Cristo, da colônia romana de “Julia Carcaso”, que se beneficiou da “pax Romana” durante séculos. Com a queda do Império Romano do Ocidente, foi invadida por visigodos e depois por sarracenos, que não deixaram marcas ou obras.

Foi conquistada por Carlos Magno no século IX e passou ao império carolíngio dos francos, que logo se fragmentou, dando início à época feudal.  O domínio dos Condes de Carcassonne durou três séculos, terminando com a família dos Trencavel, construtores do castelo e da igreja de São Nazário e São Celso, um judeu cristianizado e o menino que o acompanhou até a morte.

Eles adotaram a doutrina cristã dos cátaros, uma designação que vem do grego significando puros.  A crença era severa e rígida, admitindo apenas o Bem – criador do mundo espiritual – e o Mal – criador do mundo material e visível, incluindo as pessoas.

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Interior da Igreja de São Nazario e São Celso.

A religião cristã na forma que os cátaros a professavam não era aceita pelos poderosos da época.  Contra eles foram lançadas as chamadas “Cruzadas Albigenses”.

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Dentro das muralhas, em frente ao Castelo de Carcassone.

Todos os senhores feudais da região chamada “País Cátaro”, no atual Languedoc frances, foram considerados hereges e exterminados por Simon de Montfort em 1209.  Anos mais tarde, Carcassonne passa ao poder do Rei Luis IX (o rei São Luis), que determinou a abertura da entrada principal, a Porte Narbonnaise.  Seu filho Felipe III ordenou a construção da muralha externa, criando então o aspecto de fortaleza real, e mandou ampliar a Igreja.  É considerada modelo de integração entre a construção românica dos Trencavel e os acréscimos góticos no século XIII.  Foi sitiada e resistiu aos soldados ingleses durante a Guerra dos Cem Anos (séc. XIV e XV).

Seu declínio começa no século XVII com o Tratado dos Pirineus que altera as fronteiras com a Espanha.  O espaço meio abandonado acabou sendo ocupado por casebres e pedras foram removidas.  Nascido em Carcassonne, o intelectual Jean-Pierre Cros Mayrvieille, ajudado pelo escritor Prosper Merimée (o autor de “Carmen”, que deu origem à ópera), consegue iniciar sua recuperação em 1836.  Anos mais tarde o controvertido arquiteto Eugène Viollet-le Duc (1814–1879) foi o responsável por remover os casebres, mas desprezou antigas estruturas e criou novos edifícios.

Na restauração foi enfatizado o período da fortaleza real e o que se vê hoje é o resultado das sucessivas alterações de ocupação, importância e finalidade em diferentes épocas, usando materiais e técnicas construtivas distintas, passando por estilos diversos.  Ainda há restos da construção primitiva, identificados pelos tijolos e pela marcação de uma faixa vermelha típica das edificações galo-romanas.

Carcassonne só foi incluída como Patrimônio da Humanidade em 1997 e dispõe de hotéis, comércio e restaurantes nos velhos prédios do interior da cidadela.

Visitei tudo o que pude, incluindo o interior do castelo onde havia um excelente audiovisual sobre os cátaros.  Olhei cada cantinho.  Matei minha ansiedade de tantos anos.

Desci todo o caminho, apreciando a cidade, agora já sem a pressa dos ansiosos.

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Carcassone visto da Ponte Velha.

E descobri que estava com fome.  Com tanta coisa acontecendo, esqueci de comer.  Quase chegando à estação encontrei um fast food salvador para aquela hora.

Tinha comprado um livro sobre os cátaros, que li quase todo no trem de volta a Toulouse.  Jantei um cassoulet quando chegava ao hotel.

Mais um dia para passear em Toulouse e tentei fazer o passeio de barco pelo Canal du Midi.  E me aconteceu uma das situações mais engraçadas em viagem.  Tinha um passe de ônibus e embarquei num que ia para o embarcadouro do passeio pelo canal.  Para confirmar, perguntei ao motorista se era aquele mesmo que eu queria.  Usei um idioma meio frances, meio turismes; ele entendeu porém perguntou de onde eu era.  Quando respondi Brasil, ele se ergueu e começou a cantarolar para os usuários a “Aquarela do Brasil” dirigida para mim.  Puro constrangimento na hora, só ficou divertido depois.

Só que esse passeio, que eu já tinha tentado com outra empresa pela manhã, estava fadado a não ser feito.  O barco estava parado em reparos.

Não consegui navegar por ele, mas como ele cruza uma parte da cidade, queria pelo menos vê-lo.  Consegui achar o Canal du Midi, antes chamado Canal Real do Languedoc, a grande obra inaugurada em 1681.  Ligava o Mediterrâneo ao rio Garonne e daí chegava ao Atlântico.  E foi ali que encontrei uma “peniche” charmosa que vendia produtos de violetas, de sabonetes a chocolates, lindinhos e por ótimos preços.

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Canal du Midi e a peniche das violetas.

Meu jantar de despedida foi na Place du Capitole, vendo as luzes se acenderem.

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O Capitólio e ao fundo o Teatro da Ópera.

Uma rápida voltinha de manhã cedo e quando olhei para o céu estava voando um avião Beluga, o cargueiro da Airbus que parece mesmo uma baleia desta espécie.  Toulouse é a terra da empresa.

Almoço cedinho e rumo ao aeroporto.  Na confusão do embarque, fiquei presa entre um grupo de pilotos brasileiros que falavam muita bobagem.  Eu comecei a rir e avisei que tinha alguém baixinho ali no meio que estava entendendo tudo.  Foi um grande gargalhada. Eles estavam de volta ao Brasil depois de um período de treinamento na Airbus.  Um deles por acaso era meu vizinho de poltrona e foi explicando tudo o que se via das instalações da fábrica durante a decolagem.

Em Paris, estávamos todos perdidos no desembarque.  Pedir informações era ter uma cara feia olhando como se fôssemos uns alienígenas.  Nossa sorte é que tínhamos muito tempo até a hora dos respectivos voos.  E conseguimos achar as direções certas.

Foi uma viagem bem diversificada.  Conheci muito do que queria, como o Vale do Rio Loire com seus castelos e Carcassone.  Virei criança no Parc Astérix e conheci cenários de pinturas e filmes.  Caminhei por praças luminosas e conheci igrejas preciosas.  Teve até um pouquinho de festa no cemitério.  Gostaria de ter conhecido a costa da Normandia, mas não foi desta vez.  Fica um motivo para um dia talvez voltar à França.

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O pequeno cantor de Haut Königsburg.