2006 (abril e maio) – Novas paisagens no Oriente

O esquema em casa quando eu viajasse tinha dado certo.  Hora de ir mais longe.  Fazia tempo que eu morria de “inveja boa” de um apresentador de televisão que fizera uma série de viagens pelo mundo e acabou indo parar no Camboja.  Também o filme de Lara Croft aumentou o desejo.  Para completar, explorar outras partes da Indochina.  Munique era desejo antigo e essa escolha de escala que fizemos ficou além de ótima.  Texto longo, viagem rica, muitas fotos.

♥ O roteiro: Era a oportunidade de ver melhor a Indochina.  Junto com Marilza, optamos por juntar Laos e Vietnam, além de uma passagem pela Tailândia por questões de logística de voos.   No roteiro aéreo escolhemos uma escala em Munique, que não conhecíamos.  Para não ficar uma viagem longa e cara demais, abrimos mão de Chiang Mai, na Tailândia.

Chegando na Alemanha e ainda no aeroporto de Munique, compramos nosso passe de trem e metrô para aquele dia e mais um passe de transporte público para dois dias e que podia ser usado por até cinco pessoas, que foi útil e proporcionalmente bem barato.

Para descer as escadas até a plataforma de embarque no trem com a bagagem demos logo o primeiro vexame.  Marilza equilibrou mal a mala e eu que tinha descido primeiro só via as duas quicando pelos degraus.  Ninguém machucado.

Na chegada ao centro, deixei Marilza lá dentro com as malas e saí para me orientar.  Tomei um susto com o tempo péssimo, nuvens negras pesadas.  O hotel era bem perto mas decidimos pegar um táxi pois já começava a chover.  Foi bom porque a rodinha da minha mala quebrou.  Carregaria a mala capenga por toda a viagem.

Já no quarto, chuva já mais fraca, olhei para o relógio e propus irmos logo para o centro, a Marienplatz, para assistirmos o Glockenspiel.  Dava tempo de vermos o desfile das figuras daquele famoso relógio na Neues Rathaus.  Chegamos bem a tempo da marcha dos bonecos e olhamos tudo encantadas. Durante muitos anos sonhei estar naquela praça.  E foi bom termos ido porque passeamos tanto em Munique e arredores que em nenhum dos outros dias teríamos chegado nos dois horários da mostra dos bonecos do carrilhão.

Rodamos um pouco por ali, fomos até Frauenkirche e jantamos cedo.  Claro que havia salsichões e cerveja.  Em seguida, o sono nos chamou.

6 M Marienplatz

Em Marienplatz, a Altes Rathaus, do outro lado da mais famosa Neues Rathaus e seu relógio.

Tínhamos programado dois passeios pelos arredores de Munique e começamos o dia resolvendo essas compras no escritório de turismo.  O primeiro seria até o Castelo de Neuschwanstein.  O segundo, até Rothenburg.

Chovia fino e frio em Munique mas mesmo assim resolvemos ir aos jardins de Nymphenburg, sem fazermos visita interna do palácio, ainda fechado.  Na rua próxima pegamos um ônibus que dizia Olympiastadium e circulava pela parte residencial de Munique.  Perdemos tempo mas foi bom, vimos o que não foi previsto.  Desembarcamos no final da linha, no Parque Olímpico de 1972.  Andamos um pouco, sempre com frio e chuva, brincamos com um cachorrão e descemos para a estação do metrô.

Duas ou três paradas até chegarmos ao centro, muito rápido, mas sem termos a visão que tivemos do ônibus.

Chuva e vento atrapalham os andarilhos.  Então optamos por visitas internas.

Entramos no museu Residenz, onde pela primeira vez vi coroas de antigos reis com pedras preciosas não lapidadas.  Havia uma exposição temporária sobre o Reino da Bavária, cuja capital era Munique.  Se algum dia soube, tinha esquecido: a Bavária era um reino e o Sacro Império Romano Germânico era outro.  A Bavária era aliada da França, o Germânico tinha outros aliados geográficos e políticos bem diferentes.  No final do século XIX, por problemas na sucessão do trono, o Reino da Baviera foi anexado ao Império Germânico.

No final da visita vimos que a chuva tinha parado e fomos olhar também o Odeonplatz e o Hofgarten.

1 M Residenzstrasse

Odeonplatz e Residenzstrasse.

O jantar foi na maior e mais conhecida cervejaria de Munique, a Hofbräuhaus.  Diz a tradição que foi construída em 1589 para uma festa de casamento real.  É interessante, quase obrigatório ir lá conhecer.  Muito cheia, música alemã alta demais para o meu gosto.  Comum na Alemanha, o sistema de mesas coletivas funciona bem para a quantidade de gente.  A atenção que os garçons dão ao cliente é nenhuma. Como em quase todas as casas deste tipo, paga-se logo quando se recebe o pedido, mas não precisa ser mal-educado.  Talvez o mau humor e a grosseria façam parte do folclore da casa.  Vale conhecer, mas não sei se repetiria.

Dia de sair pelos arredores.  Nosso primeiro passeio começou no palacete Linderhof, construído pelo então Príncipe Ludwig para se hospedar enquanto acompanhava a construção do seu palácio de sonhos, Neuschwanstein.  Depois paramos em Oberammergau, uma cidade famosa pela encenação da Paixão de Cristo, porém o que nós gostamos mesmo foi das paredes externas dos prédios pintados com cenas de histórias infantis.

Enfim chegamos à vila de Schwangau, perto de Füssen, onde logo se destaca Hohenschwangau, a enormidade de castelo do século XII restaurado por Maximiliano II em 1832.  Só víamos o termômetro do ônibus indicar que cada vez a temperatura baixava mais e ali já era negativa.  O corpo pedia uma comida quente antes de subir a Neuschwanstein.

Para entender melhor a visita, o melhor é conhecer a história deste castelo de fantasia.  Herdeiro do trono de seu pai Maximiliano II, o Príncipe Ludwig desde cedo demonstrava comportamento arredio.  Nunca se casou e em 1864 tornou-se o rei Ludwig II.  Entre 1869 e 1886 esteve envolvido com a construção do seu palácio, onde as salas representam contos de fadas e cenários de óperas.  Poucos serviçais o serviam e era proibido visitar o local.  Um de seus poucos amigos foi o compositor Richard Wagner e mesmo ele ficava hospedado em Hohenschwangau.  Em 1886 morreu afogado, juntamente com seu médico, o que nunca foi bem esclarecido pois era excelente nadador e o lago muito raso; três dias antes tinha sido destronado. Seu irmão foi considerado inapto ao trono e a Bavária acabou sendo absorvida pelo Império Germânico, como já contava a exposição em Residenz.  Poucos dias depois da morte de Ludwig II, Neuschwanstein foi aberto à visitação.

Para subir ao castelo, o melhor é ir de charrete, mas com frio e chuva foi mais conveniente que subíssemos no ônibus especial e ficamos na fila esperando a entrada com hora marcada.  Não houve tempo de caminhar até Marienbrücke.  A visita é com hora marcada e há um áudio guia no idioma escolhido.

Enquanto esperávamos começou a nevar. Fazia muito tempo que não via aqueles flocos pequenos e frios caindo. E foi ali que conheci uma espanhola xará de minha mãe, que tem um nome bem pouco comum.  O nome delas é América.

Se Ludwig comandou a construção de um castelo baseado em cenários e lendas, o conto de fadas agora é para os visitantes.  O castelo é delirante, em todos os sentidos que a palavra possa ter.  Não há como escolher esta ou aquela sala mais bonita, mais impressionante.  As vistas para as montanhas completam o quadro.

2 M Neuschwanstein

Na fila para entrar em Neuschwanstein enquanto a neve cai.

É daqueles lugares que se precisa estar lá e sentir, deixar voar o pensamento, ter um pouco da mente confusa e poética de Ludwig.  Só não pode perder tempo demais porque os áudio-guias comandam o prosseguimento da caminhada e os fiscais são rigorosos no horário.  E nem pensar em fotografar seu interior; apenas na cozinha é permitido.

Quando voltamos ao centro de Füssen eu estava tão excitada com a neve e o castelo encantado que fui procurar um telefone.  Queria ligar para casa e contar as maravilhas do dia.

Para a noite, tínhamos ingressos para ver “Cats” num teatro perto do hotel, achando que jantaríamos na saída.  Duas tolas.  O restaurante do teatro estava lotado e não havia mais nada aberto.  Com muita cara de piedade conseguimos dois hambúrgueres horrorosos e dois refrigerantes quentes no bar anexo ao hotel, onde várias caras esquisitas olhavam aquelas duas senhoras comendo apressadas.  Eu ainda estava aprendendo que deveria ter sempre biscoitos e chocolates na bagagem, ou comprar no destino logo que chegasse.

No dia seguinte o passeio foi a Harburg e Rothenburg ob der Tauber.  Enfim um dia de tempo melhor.  Trafegando por uma das famosas “autobahn”, sem limite de velocidade para carros de passeio, só víamos passar flechas coloridas, na realidade Audis e Porches, enquanto o ônibus seguia lentamente lá pelos seus 90 quilômetros por hora.

A visita de Harburg é interessante, um castelo com passadiços de madeira, o que para mim era novidade.

Rothenburg é daquelas cidades que parecem casinhas de bonecas.  O guia, esperto, arrastava os turistas para um almoço num determinado restaurante e nós fugimos dele.  Fizemos um lanche rápido com gostosuras locais para aproveitar o máximo de tempo naquele lugar lindinho.

Ainda há restos de sua muralha medieval e pertenceu ao Sacro Império Romano Germânico até 1802, quando foi anexada ao Reino da Baviera.

3 M Rthenburg ob der Tauber

A Marktplatz de Rothenburg.  A prefeitura é o prédio à esquerda.

É uma cidade colorida, naquele momento aquecida por um mormaço gostoso.  A Prefeitura parece um brinquedo.  Descobrimos ruelas e jardins, pontes e torres.

Numa pracinha a fonte de pedra ainda tinha a decoração de “Österbaum”, galhos secos decorados com cascas de ovos pintadas para a Páscoa.

5 M Rödengasse

Rödengasse com seu chafariz decorado com cascas de ovos pintadas.

Perder a direção dos caminhos tem a vantagem de levar a lugares interessantes como o parque Burggarten, onde existiu um castelo de 1142 até 1356, destruído por um terremoto.  Só restou uma torre.

4 M Rödengasse

Detalhe das guirlandas de cascas de ovos pintadas.

Mas para voltar destes pontos perdidos, o mapa é essencial.  A leitora de mapas sempre sou eu, Marilza não consegue. Sentei num murinho para me localizar e Marilza tentou me ajudar lendo a placa e dizendo que estávamos na esquina da rua eimbanstrabe.  Depois me desculpei, mas tive que rir.  Einbahnstraße é rua de mão única, ela não tinha que saber alemão.  Ficou como uma de nossas bobagens viageiras.

Na volta descobrimos que passaríamos em frente da Allianz Arena, estádio dos times de futebol de Munique.  Perguntamos ao guia se seria possível fazer uma parada e nos deixar lá.  Ele botou todas as dificuldades, queria até saber porque mulheres se interessariam por futebol.  Fez também o comercial da empresa, dizendo que eles vendiam visitas guiadas.  Tive que deixar bem claro que iríamos embora no dia seguinte.  Foi quando o motorista interferiu e disse que nos deixaria lá sem problemas e que para voltar havia a estação junto do estádio.

Agradecemos muito com uma gorjeta e ficamos por lá.  Não era mais hora de visitas, mas pelo menos tivemos uma ideia de como ele é grande, bonito e diferente.  Acessos amplos e caminhos bem sinalizados.  Voltamos de trem até perto do hotel, dispostas a colocar uma roupa para jantar em Marienplatz.  Chegamos lá umas 8 horas da noite e estava tudo fechado.  Outra noite de hambúrguer ruim não era possível. Lembrei que tínhamos passado por uma cervejaria na Neuhauserstraße e voltamos correndo com medo que fechasse.  Era a Augustiner, que se tornou a nossa cervejaria preferida em Munique, música alegre mas menos barulhenta, comida e cerveja bem gostosas, um serviço melhor.

Na última manhã fazia sol e tínhamos planejado dar uma olhada no Änglicher Garten, e lá fomos nós de metrô.  Vimos a Torre Chinesa e o Biergarten.  É um dos melhores espaços urbanos de lazer que já vi, para todas as idades e atividades.

Ainda demos uma passada em Marienplatz, ocupada pelas comemorações do Dia do Trabalho, para despedidas.  O discurso começava com “Colleguen und Colleguinen”, companheiros e companheiras existem lá também.

7 M copa 2006

Divulgação da Copa do Mundo.  Ao fundo as torres de Frauenkirche.

A Copa do Mundo de Futebol seria na Alemanha dali a poucos meses e estivemos numa das praças onde havia instalação com projeções e divulgação do evento.  Tudo dentro de uma bola.

Não dava para fazer mais nada.  Era voltar ao hotel e caminhar com as malas até a estação de trens, embarcar para o aeroporto e seguir viagem para Bangkok, nossa entrada na Indochina.

Resumindo, tínhamos aproveitado Munique e locais próximos da melhor maneira que conseguimos.  E gostamos muito.

Retornamos ao aeroporto também de trem, conveniente, prático e muito mais barato que táxi.  Desta vez fomos levando as malas pela rua ensolarada.

Chegamos bem cedo e fomos para o portão de embarque para Frankfurt.  Encontramos um senhor brasileiro que estava bem nervoso com o voo de volta ao Brasil e de repente percebemos que não havia mais ninguém para embarcar.  Tinham mudado o portão e, distraídas, não percebemos o aviso.  Com a nossa grande antecedência, o cartão constava o número errado.  Saímos às pressas para o novo local, o que deixou o tal senhor ainda mais nervoso.

Chegando na Tailândia, o primeiro passo no desembarque é passar pela inspeção sanitária e mostrar o certificado de vacinação contra febre amarela.  Perdemos um bom tempo nisso porque ficamos na fila da imigração, não pudemos passar, caminhamos um longo corredor até o posto, e voltamos tudo outra vez já com o papel de autorização.  Fomos levadas para um hotel muito bem localizado, bem no agito de uma grande avenida e com muitas galerias e lojas por perto.  Logo na chegada o guia do receptivo nos entregou os bilhetes aéreos para os trajetos dentro da Indochina; vi que tinha um meio rasurado, mas não liguei para o fato.

Sempre se chega cansado, mas não se dispensa uma tarde livre.  Quase em frente ao hotel ficava um templo hindu. Fomos até lá, rodeamos um pouco ali por perto, entramos numa das galerias.  Ficamos por ali mesmo, olhamos umas lembrancinhas para comprar na volta e achamos uma comidinha boa que iríamos repetir.

Ainda pegamos um tuc-tuc que nos deixou em Patpong, algo como um mercado que mistura restaurantes, comércio de artesanato e casas de prostituição que tem até menu nas portas para escolher o serviço e ver os preços.  Famílias locais e estrangeiras, incluindo crianças, passeiam por ali, comem, cantam, fazem compras e apreciam nas portas os tais cardápios com as sugestões de atividades e comportamentos com as moças. E nem adianta ficar encabulado porque ninguém vai ligar e nem mesmo perceber sua cara de espanto. Fiquei constrangida de fotografar.

Dia de visitas e olhos preparados para rever aqueles templos cheios de dourado e cores, figuras fantásticas e budas preciosos.  Não era o mesmo impacto da primeira vez, mas a sensação de alegria de rever aquilo tudo era muito especial, muito boa.  Lembramos muito da guia Maria, que se divertia com nosso encanto.

T 1 Templos Palácio Real

Figuras dos Guardiões sempre atentos nos Templos do Palácio Real em Bangkok.

Pedimos ao guia que ao invés de nos levar para o hotel, nos deixasse onde pudéssemos ter um táxi para irmos até o Museu Casa de Jim Thompson.  Como era perto, ele nos deixou lá.  A história dele é bem estranha.  Ele foi agente secreto norte-americano e, quando parou de trabalhar, foi para a Tailândia trabalhar com comércio de seda de alta qualidade.  Tornou-se colecionador de arte regional.  Desapareceu numa viagem à Malásia.  Sem filhos, seus bens passaram a diversos familiares que decidiram continuar com a indústria da seda.  Também mantiveram a casa como museu, até porque sua coleção de arte asiática era invejável.  É um lugar interessante, de preços altos para uma seda de primeira qualidade.

Para a noite, jantar com música num barco através do rio Chao Phraya para ver os templos iluminados.  Valeu a pena.  A comida é surpreendentemente boa e sem pimentas, a vista é das mais bonitas, apesar da iluminação não ser tão intensa quanto esperávamos.

Eu tinha enchido a paciência porque queria ir a Pattaya, mais ou menos perto de Bangkok.  Marilza reclamava sempre, mas como ela não gosta de praia e o lugar é de praias, acabou concordando.  A viagem foi mais demorada do que eu pensei.  A praia muito mais mixuruca do que se pode imaginar. Almoço medíocre. Depois descobrimos que a fama da cidade é por causa de intenso turismo sexual.

Na manhã seguinte já saímos para o Laos, voando com destino a Luang Prabang.

A empresa aérea, cuja propaganda dizia ser a melhor opção para deslocar-se entre as melhores cidades da Indochina, era campeã de atrasos. E nem adiantava sofrer, todos os trajetos seriam com ela.  Ainda no embarque descobrimos que teríamos mais uma companheira brasileira, que se apresentou quando nos ouviu conversando.

Logo na chegada percebemos a diferença, tudo mudou.  Ruas sem trânsito, hotel entre jardins, gente em ritmo mais lento.  Nosso guia, que iria ser um dos melhores que já tive, se chamava Olan; falava espanhol fluentemente, aprendido em Cuba onde estudou para ser técnico agrícola.  Ser guia era um complemento quando o governo chamava.  Pessoa delicada como todos ali seriam, incrivelmente gentis e sempre solícitos. Gente que apaixona pela atenção, até num pequeno detalhe de dar a cada uma de nós algumas folhas xerocopiadas explicando as diversas posições de corpo e mãos que aparecem nas representações de Buda.  Simples, mas esclarecedor e útil, várias vezes consultado durante a viagem e reproduzido para conhecidos que viajavam para essas bandas.

Logo depois de hospedadas, começamos a visita pelos templos, alguns no alto de morros com vista para a cidade e o vale.  Por último foi Vat Siphouthabath para ver o pôr do sol entre ramos de flamboyant.  Na descida, feirinha de artesanato.  Sou meio difícil de me encantar em feirinhas, mas essa me pegou.  Tudo muito caprichado, elegante, cores delicadas em seda e algodão.  Compramos algumas coisas, que seriam mais se fosse fim de viagem.

L 1 Vat Phousi e Mekong

Pôr do sol visto de Vat Phousi.  Lá em baixo o rio Mekong.  Ainda bem que eles abreviam os nomes dos templos.

Um de seus comentários mais interessantes do guia foi que, conforme as tradições do povo, os templos devem ser limpos e pintados, sempre renovados.  Só que isso não é aceito pelos órgãos internacionais de patrimônio, criando alguns problemas.

A República Democrática Popular do Laos se chamava Lane Xang e seus dois últimos reis foram no início do século XX.  Luang Prabang foi capital deste reino entre 1356 e 1560, quando foram formados seus ricos templos.  Toda a região da Indochina foi ocupada pelos franceses desde 1713, e os reis não mais representavam o poder central.  Eles saíram em 1958 e logo depois veio a Guerra da Indochina, com forte e dominante presença dos norte-americanos.  A guerra foi longa e cruel com os nativos.  A independência do Laos só chegou em 1975, num regime socialista.

Nosso jantar seria no hotel.  Começava com aquele caldinho ralo coberto de ervas verdes picadinhas que Marilza tem horror; eu bebia o meu e o dela.  Durante toda a viagem acabei me habituando a terminar a refeição tomando chá quente num lugar onde o calor é de rachar.  Mas é agradável.  Salvo o inconveniente de precisar acordar para ir ao banheiro.  Marilza toda noite comentava que não sabia como cabia tanto de líquido dentro de mim: o dos dois caldinhos, água e um bule de chá.

Em algum lugar eu tinha lido que não se deve dar dinheiro às pessoas na Indochina.  Então perguntamos através da agência o que poderíamos levar para dar a algumas crianças.  Levamos roupinhas de malha de diversos tamanhos.  E pusemos algumas na bolsa no dia em que iríamos subir de barco um trecho do rio Mekong.

O dia começou visitando o Vat Xieng Tong, considerado entre os mais bonitos e clássicos do país, erguido em 1560.  Seu telhado é o principal elemento, quase tocando o chão.  Dentro dele há muitas esculturas de Buda, quase todas em bronze, aguardando restauração.

L 2 Vat Xieng Thong

Sem abreviatura, esse templo se chama Vat Xiengthongratsavoraviahnh.  Copiei da placa e escrevi nas minhas fotos.

Várias capelas têm representação do Ramayana, que eles afirmam ter sido apropriado pelos indianos, mas que na realidade relata as tradições mais antigas da região.  Cada um conta a sua versão sobre a quem pertence o poema épico.

Dali pegamos nossas caixinhas de piquenique, com os indefectíveis ovo cozido, coxa de frango e uma fruta.  Hora de subir o Mekong.

Por causa das guerras que aconteceram nos anos de 1960 até 80 na Indochina, cresci ouvindo falar mal do rio Mekong, um caminho para ataques e extermínios.  Nada lembrava as atrocidades naquele sobe e desce de barcos compridos, de gente se esforçando para viver.  Ainda havia praias nas margens, que iriam desaparecer em poucos dias por causa do início das chuvas de Monção.  A vida é rústica.  Havia gado, criançada brincando, alguma plantação.

Desembarcamos e subimos as escadarias até as grutas de Pak-Ou, onde descansam centenas de esculturas de Buda, algumas bem rústicas.  Não há notícia de como nem quando essa tradição de levar imagens começou.

L 3 Pak Ou

Entre imagens de Buda.

A uma parte da gruta só é permitido o acesso a noivos.  O lugar é pura tranquilidade.

Na margem oposta à gruta, onde fica a minúscula Ban Xang Hai, fomos a um restaurante extremamente simples, apenas para usarmos suas mesas e comprar alguma bebida para o nosso almoço.  A comida descia forçada, fria; a bebida era sem gelo mas naquele calor vale tudo.  Foi quando apareceu uma figurinha de uns quatro anos, linda, correndo e gritando.  Era a filha dos donos, uma boneca.

Tínhamos pedido ao guia que descobrisse no povoado quem estaria precisando de roupinhas de bebê, e ele voltava com a resposta.  Havia nascido um menino fazia poucos dias.  Ele iria ganhar algumas de nossas lembranças. Perguntamos a ele se haveria problema de darmos uma outra roupa à menina que nos encantava.  Ele explicou que aquele casal era dos mais abastados do povoado, donos do seu próprio negócio, mas não haveria nenhum inconveniente. Ele chamou o pai, explicou o que era e que estávamos achando a sua filhota uma fofura.  Entregamos a roupa e seu sorriso não deixava dúvidas.  Entrou e mostrou para a mulher e a pequena, que começou a rir e pular, não sossegando enquanto não lhe puseram a roupa nova.  Foi levada quase arrastada até nós para agradecer, fazendo a reverência e dizendo o tradicional “Sawasdee” na sua vozinha miúda.  E saiu correndo para mostrar a novidade.

Depois dali fomos até a casa humilde onde estava o mais jovem habitante do lugar.  Fomos recebidas por todas as comadres, que admiravam macacões e camisas.  Era emoção de todos os lados, não cabiam fotos, só sorrisos. Confesso que nesse dia chorei da alegria e simplicidade daquela gente.

Na descida, encontramos a nossa pequena e pedimos aos pais para tirar fotos com ela.  Foi complicado porque a pequena queria continuar correndo, mas acabou ficando um minuto quieta para nossas recordações.  Esquecemos de perguntar o nome dela.

L 4 Menina

Nossa pequena laociana e seu sorriso com a roupa nova.

Ainda fomos a uma fábrica de vinho de arroz, algumas garrafas com bichos dentro, tipo cobrinhas.  Bem estranho mas se respeita.  A bebida é bem forte, mas só provamos das que não tinham nada dentro.

Naquela noite fomos no transporte do hotel até o centro da cidade para telefonar para o Brasil.  A cidade fervia e se ouvia uma mistura total de idiomas.  Conseguimos falar com facilidade e voltamos ao nosso hotel afastado para ainda jantar.  E tomar muito líquido.

Nossa companheira de viagem não foi ao parque das cachoeiras de Khuang Xi e suas piscinas naturais.  Ali havia um cercado para ursos do himalaia, aproveitando que vivem na região.  Ha bananas e outras frutas para serem compradas e oferecidas a eles.

L 5 Ursos

Pela quantidade de filhotes e o tamanho do espaço reservado, os ursos do Himalaia pareciam estar bem.

Tínhamos um tempo para tomar banho, o que foi muito bom.  Levamos maiô e fizemos sucesso pois as pessoas mergulham de roupa e tudo, enquanto as crianças vão mesmo é peladinhas.

Aquele mergulho em águas quase geladas deixaram uma sensação de alívio da temperatura por todo o dia.

Ainda passamos por alguns povoados, mas nada que despertasse tanto interesse.  E Olan se divertia distribuindo alguns bonés para caminhantes das estradas.

L 6 Khuang Xi

Água gelada em Khuang Xi.  Pessoal local entra de roupa e tudo.

De volta ao centro da velha capital, fizemos ainda algumas visitas a templos, como o Vat Mai, o Templo Novo, de 1769.  Ali se vê bem a estrutura dos telhados.

L 8 Vat Mai

Vat Mai, composto de Casa dos Monges, Casa do Tambor, Biblioteca, Estupa e Santuário.  É a organização de todos os templos budistas.

Na vila de Ban Phanom fomos ver a fabricação de papel artesanal, onde é comum incluir flores na massa de madeira. Comprei uma lanterna de bambu com flores incrustradas no papel.  Ficou pendurada no meu quarto por alguns anos mas acabou se desmanchando.

Comprei também um pedaço para ser recortado e que durante um bom tempo usava para fazer cartões para presentes.  Guardei um pedaço.

L 7 Papel Sa

Papel Sa

Fizemos ainda algumas visitas a vilarejos da etnia Khmu e terminamos no Museu Nacional, que ocupa o último palácio dos reis de Lane Xang, construído pelos franceses no início do século XX.   Não lembro do que vi lá dentro.  Lembro, sim, que na saída tinha se formado uma feirinha de frutas e verduras.  Pedi ao guia que me comprasse uma mistura de frutas locais para eu experimentar. Lavei e já fui comendo no caminho até o hotel. O efeito no estômago não foi dos melhores mas eram todas muito diferentes, gostosas e apetitosas.

Tempo de deixar Luang Prabang, querendo ficar mais.

Era uma segunda-feira e a vida na cidade mostrava seu lado de trabalho e escola. E deve ser a vida de professor que me faz ficar parada olhando a garotada ruidosa. No fundo, adolescentes são iguais no mundo todo, barulhentos, loucos por uma novidade, adorando se sentir observados e chamando a atenção de alguém.

Passamos no mercado, tiramos umas últimas fotos, o guia presenteou a cada uma com uma bolsinha artesanal de tecido.  Devemos a ele os dias bem aproveitados, o aprendizado, a gentileza, a parceria com gente de tão longe.

E seguimos de avião para a capital Vientiane.  Quem nos recebeu foi outro laosiano falando espanhol aprendido em Cuba quando foi estudar Agronomia. Fomos levadas para o hotel, onde almoçamos e saímos para as visitas, tudo um pouco atrasado porque o voo atrasou.

Pode-se escrever Vat ou Wat, e significa templo.  Começamos pelo museu no Vat Sisaket, uma obra de delicadeza em madeira, de 1818.

Ali existe uma coleção de imagens de Buda, mais de 7000 delas. Ali pudemos ver as diferentes representações dele, como já nos falara o guia de Luang Prabang.  E realmente só as figuras chinesas são gorduchas e sorridentes. São diversos detalhes, até o lado para o qual se enrolam os cachos do cabelo.

L 9 Vat Sisaket

Budas em estilo tailandês: magros, cintura marcada, peito feminino.  O difícil é conseguir perceber que os cachos do cabelo se enrolam sempre no sentido horário.

Vimos logo que Vientiane não era grande, era o sossego em forma de capital.  Tivemos sorte com mais este guia, que conseguiu transformar quase nada em algo muito interessante. As histórias faziam a diferença.  Como por exemplo, Ho Phra Keo, o antigo santuário real de onde eles afirmam que o Buda de Esmeralda foi roubado pelos tailandeses e posto no Wat Phraw Kaew.  Nomes semelhantes eles têm e a fronteira iríamos ver logo depois.

L 9 Vat Ho Phra Keo

Ho Phra Keo.  Sem maiores detalhes sobre o roubo do Buda de Esmeralda.

Prosseguimos para Anousavari, também chamado Porta da Vitória ou Patousay, o monumento de 1958 que homenageia os mortos na guerra de independência contra a França em meados do século XX.  De longe parece um arco do triunfo, mas sua forma é de cubo vazado e tem estilo dos velhos templos da Indochina.

L 11 Patousay

Patousay, o Portão da Vitória.

Serve como mirante e quase perdemos a oportunidade de subir ao topo para ver a paisagem.  Tudo é tão lento que a visitação termina às 16 horas.

L 12 Av Lane Xang

Do alto de Patousay, a avenida Lane Xang e o trânsito na sonolenta capital.

O guia ainda nos levou para ver o lazer local, quando as pessoas se reúnem na margem do rio Mekong vendo a Tailândia do outro lado.  É a tal fronteira por onde teria passado a imagem do Buda?  Afinal, desde longos séculos nem sempre as coisas estão calmas entre as duas populações.  O cheiro de peixe frito, pescado ali mesmo, começou a me enjoar, como é comum acontecer comigo.  Mas a turma estava animada, música alta e muita conversa.

Por falta de opção, comemos algo no hotel.

Não havia nada interessante para fazer na capital durante toda a manhã livre.  Só Marilza e eu topamos a proposta do guia de irmos até o Parque de Budha, que é exatamente o que o nome diz.  Criado pelo Venerável Xiengkuane, tailandês rico que morava ali e saiu do país em 1974 por causa do regime comunista, o espaço dedicado a esculturas hindus e budistas nunca foi concluído.  Ali fica bem clara a transformação de Sidarta Gautama, que nasceu hindu, em Senhor Budha.  Considerando as limitações do país, o parque está bom, limpo e cuidado.

L 13 Parque de Buda

Parque de Buda.

Depois do almoço ainda restava a visita principal na capital.  Seguimos para a estupa de That Luang, com visual mais imponente, toda revestida em ouro.  A grande estupa sagrada, construída em 1566 pelo rei Sethtathirat, fica sobre duas outras estupas mais antigas e que, segundo a tradição, guardam uma relíquia de Buda.  Talvez seja cabelo, mas pode ser um pedaço de osso.

L 14 Estupa That Luang

That Luang, que na época não podia ser fotografada de perto.

Ao redor da grande estupa, trinta outras menores, também em ouro.  O conjunto é o símbolo nacional do Laos

Ainda passamos por Vat Simeung, o preferido das mulheres grávidas.

L 15 Vat Simeung

Imagem recorrente no Budismo em Vat Simeung.  Buda meditando sob a figueira sagrada, sentado no trono formado pela Naja de Nove Cabeças que o protege.

Ali nos despedíamos de um país que nos passou tranquilidade e relaxamento.

E seguimos enfim para o aeroporto, onde embarcaríamos para Hanói, já no Vietnam.  O guia nos deixou na porta, sem ter acesso ao interior.  E foi aí que a coisa encrencou para mim.

O bilhete de passagem era manuscrito, um daqueles que tínhamos recebido em Bangkok.  E estava rasurado.  Não aceitaram.  Meio sem saber o que fazer, meu nome constava na lista para embarque mas não aceitavam de jeito nenhum. Já me organizando para pagar uma nova passagem, encontrei um outro guia da mesma agência que a nossa.  Quase implorando, pedi que ele fizesse o contato e explicasse o caso.  Nosso avião já tinha pousado. Veio a resposta que eu aguardasse pois estavam me mandando um novo bilhete com os mesmos dados. Em nenhum outro país do mundo se conseguiria resolver tudo a tempo, o trânsito não ajudaria e nem o tamanho da cidade. Eis que surge de volta nosso guia agitando o bilhete na mão, me entrega e eu entro correndo para fazer check in e despachar bagagem. Foi pena ter que devolver o bilhete rasurado, era o correto, mas dava vontade de ficar com ele para mostrar a besteira e poder desabafar a preocupação e ansiedade em cima da agência tailandesa.

Chegamos ao Vietnam desembarcando já de noite em Hanói.  Não dava para perceber como era a cidade.  No jantar, conhecemos nossa nova companheira, uma argentina que se mostraria uma pessoa estranha.

E o dia começou com as visitas programadas e uma constatação: atravessar as ruas não é para corações fracos.  Não há sinais de trânsito. As ruas são de mão dupla.  Em qualquer cruzamento é permitido entrar à direita, cruzar à esquerda ou seguir em frente.  Guarda de trânsito é objeto decorativo; apitar e direcionar veículos é quase uma ação teatral.  Ônibus, caminhões, carros e centenas de motos andam juntos.  Há também bicicletas e triciclos no mesmo espaço.  Nas calçadas, totens com fotos de acidentados e o aviso de prestar atenção e dirigir com cautela.

Para o estrangeiro aquilo é um rolo, uma confusão completa onde todos se entendem.  Não adianta ter pressa nem sair costurando os veículos à frente.  Acidentes há muitos, porém as mortes são raras devido à pouca velocidade. Impressiona.  Eu só pensava no marido de uma amiga; ele trabalha na companhia de trânsito do Rio de Janeiro.  Acho que ele teria uma síncope ou coisa pior.

Começamos pela visita ao túmulo de Ho Chi Minh.  Lembrou muito a visita ao túmulo de Lenin na antiga União Soviética.  Cheio de normas de segurança, câmaras fotográficas estritamente proibidas, não é permitido parar para olhar melhor, um ar condicionado fortíssimo, proibido falar no interior e uma figura deitada parecendo de cera.  E principalmente a mesma posição das mãos que Lenin.  Já na descida comecei a falar e fui advertida por um guarda.  No choque térmico, eu que já suo muito, tive um verdadeiro jato de suor; Marilza olhou para as minhas calças e soltou mais uma de suas frases célebres: “parece que está toda mijada”. Devido à segurança ao redor, tivemos que engolir o ataque de riso.  Eu tinha conseguido molhar até os joelhos.

Depois dali passeamos pelo parque, fomos até a velha casa de Ho Chi Minh, conectada a um “bunker”, vimos o Palácio dos Governadores durante boa parte do domínio frances.

Templos não são dedicados somente a Buda; alguns são dedicados a pessoas santificadas e protetoras.  Fomos conhecer o templo da Literatura, dedicado desde 1070 a Confúcio, o protetor dos conhecimentos.  Ali havia concerto de música local, com instrumentos típicos. Bom para relaxar e comprar um CD para ouvir na hora de relembrar a viagem.

E para fechar, nosso equilíbrio emocional seria posto à prova num passeio de triciclo pelo centro da cidade.  Um para cada pessoa, não dava nem para apertar a mão do companheiro numa hora de sufoco.  Calçadas tomadas por motos, fiação embaralhada, toldos e todo tipo de artigos em exposição e à venda.

V 1 Hanoi triciclo

Hanói vista de um triciclo.

Qualquer veículo, moto, triciclo ou bicicleta, é conduzido com apenas uma das mãos; a outra segura um telefone celular se for homem ou uma sombrinha se for mulher.  Muito bom de ver a vida real.  Coração testado, seguimos para o almoço, quando fomos avisadas que iríamos trocar de guia.

Até que foi um bom city tour.  Hanói (ou Hà Nôi, como eles escrevem e que significa cidade entre rios) não é bonita, mas é marcante por ser bem diferente.

Começava aí um caso mal contado da passageira argentina.  Ela dizia que queria trocar seu único dinheiro por “dong” do Vietnam.  Não tinha dólares nem euros.  Apenas um dinheiro da Malásia que o filho lhe dera quando estiveram juntos em Kuala Lumpur.  A guia conseguiu um lugar mas ela disse que não servia porque teria que pagar uma taxa de serviço.  Todas dissemos que qualquer operação de câmbio cobra taxas, mas ela foi irredutível.

Contar o caso aos pedaços não vai fazer sentido.  Neste almoço em Hanói ela começou a ficar chorosa pois não tinha dinheiro nem para pagar um refrigerante.  Marilza e a outra brasileira logo pagaram para ela este e mais alguns outros.  Eu, coração duro, sugeri usar cartão de crédito para fazer um pequeno saque, ao que ela respondeu que não podia porque não tinha a senha e só podia usá-lo em estabelecimentos com máquina manual e mediante assinatura.  Em 2006?  Achei bem estranho. Sugeriram que ela telefonasse para o marido, contasse o problema e pedisse a senha, ao que foi explicado que o marido não lhe permitia fazer compras.  Nos hotéis sempre havia garrafas de água disponíveis gratuitamente, e carregávamos as que não usávamos, além das garrafas que eram oferecidas durante os passeios e trajetos.  Ela não carregava nenhuma mas continuava pedindo que pagassem suas bebidas, que ela reembolsaria depois.  Um dia sugeri que ela pagasse com o cartão uma conta nossa e nós lhe daríamos o dinheiro correspondente, ao que ela respondeu que isso poderia lhe dar problemas.  Nossa guia vietnamita começou a achar estranho, e olhava com cara de interrogação para nós.  Pediu até que pagássemos suvenires.  Nos dias sem refeição incluída ela dizia que comia o que conseguia pegar no café da manhã.  Marilza reclamava de mim, que eu não tinha piedade.  Assim fomos por todo o Vietnam até o Camboja, onde ela conseguiu uma loja para comprar um anel de ouro e rubis da Tanzânia e veio orgulhosa nos mostrar.  E nessa hora não havia marido que proibisse as compras.  Nunca nem tentou devolver o dinheiro que tinha sido emprestado.  Marilza, penalizada com a penúria da elegante senhora, nunca me convenceu de que a figura não era trambiqueira.  Algum tempo depois descobri que os dólares da Malásia que ela tinha eram moeda fora de circulação; a moeda agora era o ringgit.

Voltando ao passeio, a bagagem grande foi deixada em Hanói e fomos por rodovia até Halong onde dormiríamos para, no dia seguinte bem cedo, sair de barco típico pela famosa baía, que eu estava eufórica por conhecer.  Pelo caminho passamos por Chien Thang e suas oficinas de cerâmica.

Pela estrada de mão dupla e sem acostamento, um trânsito de ultrapassagens meio loucas, e sempre com bicicletas e triciclos misturados aos carros e caminhões, seguimos durante as horas de viagem com a guia bem falante explicando coisas do país, suas guerras antigas e recentes.

Falou das casas estreitas e de muitos andares que eram bem características, e sua forma devido aos terrenos são precificados pela sua frente.  Na parte norte do país são mais caros ainda.  Então compram lotes estreitos e constroem prédios de muitos andares, ocupados em geral por uma mesma família e que mantém seu negócio no térreo.

A história que achei mais curiosa foi sobre seu idioma escrito. A região do Viet Nam (significando os Viet vivem no sul) foi dominada pelos chineses da dinastia Han entre 111 a.C. e 939 d.C..  Seu idioma local passou a ser escrito em ideogramas.  Chegando ao século XVII, frades franceses começaram a transliterar os sons para o alfabeto latino, da maneira como eles entendiam os fonemas.  Os governantes locais se interessaram por aquilo, uma forma de diferenciar da escrita do antigo dominador.  Deram a eles a tarefa de transformar a língua falada em palavras escritas nas letras ocidentais.  Daí resultou um idioma cujo som, semelhante ao mandarim, é compreendido pelos chineses mas a escrita só eles mesmos entendem.  Cheio de cedilhas e acentos como em francês.  Nas minhas fotos anotei que auto se escreve ô tô.  Pura fonética para uma coisa que surgiu bem depois do trabalho dos frades.

Os séculos XVII e XVIII foram marcados por disputas feudais entre o norte e o sul.  No século XIX foi o tempo da dominação francesa se espalhar através da Indochina.  E só terminou quando o Japão invadiu aquelas terras mesmo antes da Segunda Guerra Mundial.  Com o fim da guerra, veio o desejo da descolonização.  E começaram as Guerras da Indochina.  O país saiu delas dividido e em situações precárias. A reunificação veio em 1976.  No final do século XX já era forte na economia da região, com turismo intenso.

Chegamos a Halong à noite e da janela do quarto do hotel só se via uma luzinha ou outra de algum barco.

Na manhã seguinte, o passeio pela baía de Halong me decepcionou.  O dia estava bem nublado e talvez faltasse o sol e o brilho dele na água.  A baía é bonita, mas acho que ansiava demais.  Almoçamos a bordo, e era peixe.

V 2 Halong

Halong Bay.  Mesmo sendo cenário de filmes, decepcionou.

Em seguida voltamos a Hanói para visitar o lago Hon Kiem, venerado pelas suas velhas tartarugas.  E mais um teste para o coração, atravessar a rotatória em frente ao teatro onde iríamos.  Estávamos furiosas por causa da roupa suada e inapropriada para um teatro.  Mas logo na entrada percebemos que todos os turistas estavam nos mesmos trajes de bermuda e camiseta.

No teatro Trang Long fomos assistir à apresentação das marionetes de água.  Colorido, alegre e criativo.  É muito interessante, uma técnica só deles.

V 3 Marionetes Thãng Long

Apresentação ao final do teatro de marionetes de água.

Bonecos dançam, namoram e lutam num ritmo perfeito.  Tudo é feito por moças e rapazes dentro d’água movimentando as figuras com varas de bambu.  No fim eles fazem um número com a piscina acessa para que se possa entender a técnica e os truques.  Muito bom.

V 4 Transito Hanoi

Saindo de Hanói, em frente ao hotel, um raro sinal de trânsito e a mistura de veículos.

Saímos logo depois do café da manhã para o aeroporto com destino a Hue.  A tal empresa aérea atrasou mais de seis horas e os carrinhos que seriam embarcados para o almoço durante o voo foram trazidos para a sala de espera e cada um ganhou sua marmita ali mesmo.  Eu estava danada da vida pois perderíamos as visitas da tarde, que incluíam a Cidade Proibida da antiga capital, ao estilo chinês.  Com isso, acabei não fotografando aquela cena meio ridícula.  Mas fui fotografada enquanto cochilava, tentando esquecer a espera.

Chegamos a Hue na hora do jantar no hotel, comido meio às pressas para poder ainda ver alguns dos carros alegóricos do desfile comemorativo do aniversário de Buda.

V 5 Buda 2550 em 12 de maio

Em 12 de maio de 2006 Budha fazia 2550 anos.  Os carros alegóricos passavam muito rápido.

Só na volta é que percebemos como o salão do hotel Huong Giang era bonito.  Móveis de madeira esculpida e laqueada, com detalhes dourados.

V 6 hotel Huong Giang móveis

Cara cansada entre preciosos móveis laqueados.

A guia de Hue teve a maior boa vontade, além de estar acostumada com as adaptações por causa dos atrasos de voos.  Marcou a saída para mais cedo e conseguimos ver a Cidade Proibida, bem menor e sem as cores marcantes da irmã de Beijing.  A irmã mais simples tem sua beleza e seu charme, mostrando bem a influência do vizinho sempre mais forte.

V 8 Cidadela Imperial Nguyen

Dentro da Cidadela Imperial de Hue.

Hue foi capital local da dinastia Nguyen entre 1802 e 1945. O Pagode Thien Mu tem oito faces como uma flor de lótus. Foi erguido por um destes governantes em honra dos 80 anos de sua avó.  Um dos elementos mais significativos é uma tartaruga de pedra significando essa longevidade e a persistência.

V 7 Thien Mui

A longeva Tartaruga em Thien Mu.

O passeio de barco pelo rio Perfume, onde se fabricavam essências, é meio sem graça.

Apesar do atraso na chegada, talvez Hue tenha sido o mais interessante, o mais rico de imagens, no Vietnam.

De Hue seguimos de carro passando por Danang.  E me vieram à cabeça lembranças de noticiários quando eu era quase criança, durante a guerra do Vietnam, que sempre mencionavam esse nome, onde havia uma grande base militar norte-americana.

No caminho a tradicional parada de compras, desta vez numa fábrica de esculturas de mármore das montanhas locais e outras pedras.  Até bijuterias eles fazem com incrustações de pedras e aí não resisti.  A pulseira pesa muito porém vale pela originalidade.

Seguimos para Hoi An, uma cidade na costa do mar do Sul da China.  Outra parada de compras, as tradicionais lojas que fazem roupas de seda sob medida em uma noite.  Escolhi o tecido, o modelo e paguei.  Marilza encomendou algumas para dar de presente, pois os preços eram convidativos.

Nosso hotel ficava de frente para a praia.  Muito calor, eu logo me assanhei para dar um mergulho numa praia nunca antes mergulhada.  Famílias inteiras, muitas crianças, uma praia de águas quase calmas e de temperatura agradável.  Ficamos um pouco e fomos nos arrumar para o jantar.  Deixamos toda a roupa secando na varanda do quarto.  No meio da noite acordei com uma ventania das boas.  Num pulo acordei Marilza para tirarmos as roupas do varal improvisado.  Não perdemos nada, por sorte o vento jogou tudo para dentro.

V 9 Mar do sul da China

Carioca na praia nem que seja no Mar do Sul da China.

Na manhã seguinte, perguntamos à guia que vento estranho era aquele.  Disse que costuma ser chamado de “rabo de tufão” e atinge áreas próximas à passagem do tufão principal.  E logo depois chegavam nossas blusas de seda, impecáveis.

Fomos visitar My Son (tem que dizer missom, nunca maissom, que soaria americanizado), que eles consideram berço da cultura Chan.  Confesso que não me encantei, mesmo sendo apreciadora de sítios arqueológicos.  Os vietnamitas respeitam e reverenciam bastante o local.

V 10 My Son

Ruínas do centro cerimonial do Santuário de My Son, na cidade imperial Cham Pa, entre os séculos III e XIII.

Em seguida foi o almoço e tempo para caminhar em Hoi An, que foi bem mais interessante.  E como professor não nega, fiquei um tempo vendo as meninas do colégio em visita ao templo, lindinhas e curiosas das nossas caras estrangeiras.

Voltamos a Danang e embarcamos no voo para Saigon, ou melhor Cidade de Ho Chi Minh, a mais europeia das cidades vietnamitas e que era muito menos caótica que Hanói.  O voo, como sempre, atrasou e chegamos junto com uma chuva que obrigou a ficar um tempo sobrevoando a cidade.  Só desembarcamos quando já anoitecia.

V 11 Templo do Senhor sec 17

Brincando com as meninas no Templo do Senhor, em Hoi An.

E foi aí que mergulhamos na história recente das tragédias do país.  Cu Chi guarda como lembrete os túneis onde a população se protegia e os soldados vietcongues se refugiavam para atacar.  A rede subterrânea permitia ataques de surpresa e desaparecimentos súbitos, uma questão complicada.  Foi uma guerra que eu me lembro das notícias e das fotos, em terrenos destruídos por agentes químicos desfolhantes que extinguiram espécies e torturavam pessoas.  Apenas eu e a argentina tivemos coragem, coluna e joelhos para percorrer um trecho de um desses túneis, claustrofóbicos e com pouca oxigenação.  Hoje são parte de um museu a céu aberto.  Terrível.

À tarde visitamos o centro da cidade e seus casarões e palácios afrancesados, resultado dos anos de dominação francesa. É bonita, mas não tem a mesma personalidade de Hanói.  Nem o mesmo caos no trânsito.

V 12 Centro de Saigon prox opera

Centro da Cidade de Ho Chi Minh, perto da Ópera.  Aprendi na escola o nome Siagon, difícil acostumar com o novo nome.

Fomos a uma fábrica de laqueados, onde comprei enfeites para casa.  E de repente caiu aquela chuva tropical de fim de tarde quando íamos para o mercado tradicional.  Inundou tudo, desciam rios de água e detritos conhecidos nossos.  Depois que a chuva amenizou, voltamos ao hotel.

V 13 Inundou Saigon

E assim acabou a visita perto do mercado.

Para a noite marcamos lugares no ônibus do hotel que leva os hóspedes a alguns lugares da cidade.  Avisamos que não iríamos sair do ônibus, apenas um passeio para ver as luzes. O motorista foi muito gentil, tentando explicar o máximo que podia no seu inglês cheio de sotaque.  Nem havia mais sinais do alagamento da tarde.

No dia seguinte fomos as quatro para o aeroporto e a guia Cúc nos presenteou com um pacote de macarrão de arroz artesanal.  Trouxe para casa e era muito delicado e saboroso.

Saímos num voo para o Camboja, direto a Siem Reap.  Desta vez sem atrasos.  Visto de entrada concedido no próprio aeroporto, bem rápido.  Quem nos aguardava era Kha, um guia de espanhol fluente e foi logo explicando que aprendera o idioma em Cuba quando foi estudar Veterinária.

Fomos direto ao hotel com nome de flor para almoçar.  Não havia passeios ou visitas naquele horário de sol a pino e calor de um forno acesso.  O recomendado para todos os dias era chegar das visitas da manhã, aproveitar a piscina do hotel, depois almoçar, descansar um pouquinho e sair nas visitas da tarde.  Entregamos as fotos que nos mandaram levar para Kha providenciar o crachá personalizado para as visitas.

Os dias em Siem Reap podem ser definidos como experiência inesquecível.  É um lugar muito distante para nós, que vale pela beleza, imponência e pelo povo de rosto largo, coração grande e espírito enorme que vem fazendo de tudo para se recuperar de anos de fome e genocídio.  Nas caminhadas pelos templos, cercados de apsaras esculpidas na pedra, de vez em quando Kha parava para bebermos água e ele contava histórias do passado de sua gente.  Não iríamos à capital, onde os museus e memoriais destes tempos tenebrosos são marcantes, porém mesmo ali era impossível não se emocionar.

Kha explicou que iríamos visitar lugares do período áureo do Império Khmer, nos séculos XII e XIII, com grandes construções de lugares sagrados.  Cada governante escolhia a sua religião, alternando-se entre Budismo Mahayana e Hinduísmo, que muitas vezes se confundiam e compartilhavam o mesmo santuário.  Somente mais tarde chegou o Budismo Theravada.

Não começamos os passeios pelo mais importante.  O programa daquela primeira tarde constou de Prasat Kravan, Banteay Kdey e Mebon Oriental.

C 1 Prasat Kravan

Prasat Kravan, do século X, onde se destaca Vishnu, o deus hindu pacificador.

Muitos dos templos hinduístas seriam em forma de torres, remetendo ao mítico Monte Meru e seus cinco picos, o centro do universo.

C 2 Banteay Kdey

Banteay Kdey, do século X mas reformado no século XII pelo rei Javayarman VII, o grande construtor dos templos budistas.

No final, assistimos ao pôr do sol no templo-montanha de Pré Rup.  Sua forma pretendia imitar a montanha sagrada, conforme constava em ilustrações.

Jantamos cada dia num lugar diferente, sempre uma comida boa, com verduras mal cozidas, como eu gosto.  E bastante chá.  O mistério da bebida quente que refresca naquele calorão.

Manhã de visita à cidade de Angkor Thom, capital do Rei Javayarman VII, e seus monumentos e templos.

C 3 Angkor Thom

Porta Sul da cidade de Angkor Thom.

A porta monumental foi erguida após a retomada da cidade contra a dinastia Chan (os mesmos que no Vietnam são lembrados com honra em My Son).

Dentro dos limites da cidade, minha preferência recai sobre o Templo Bayon e suas torres de caras esculpidas.  Não afirmam se são faces de Budha ou até do rei.

C 4 Bayon

Bayon.

É em Bayon que estão relevos contando da luta contra os Chan.  São diferentes, mas lembram os painéis egípcios contando das batalhas de Ramsés em Kadesh.

C 5 Bayon lutas

Cenas de guerra em Bayon.

Kha dava um tempo de descanso à sombra sempre contando histórias.  Ele era criança nos tempos do regime Khmer Vermelho comandado pelo ensandecido Pol Pot.  Passara fome no campo e vira muita gente desaparecer.  Depois da queda do ditador foi para Cuba estudar.  Agora estava casado e tinha um filho, a quem queria dar uma vida melhor que a sua.  Como havia poucas pessoas que falavam idiomas estrangeiros e agora o turismo crescia muito, os guias estavam tão requisitados que ele achava que não conseguiria mais ser veterinário.  Mas achava a vida agora bem melhor.   Siem Reap é o lugar que tem o maior atrativo turístico e ali existe um grande investimento em hotelaria e serviços como parte de um programa de reabilitação do país.

Sem sair da velha capital, fomos a Suor Prat e Terraço dos Elefantes, uma espécie de avenida de desfiles, e ao Terraço do Rei Leproso, na realidade um crematório.

C 6 Terraço do rei leproso

Parte externa do Terraço do Rei Leproso.

E chegou a tarde da grande expectativa, a grande hora.  O mais famoso dos templos, aquele que está na bandeira do país, Angkor Wat.  Não tem explicação, nem foto nem narrativa; tem que estar lá.

C 7 Angkor vat

Angkor Wat, suas cinco torres como o Monte Meru e seu reflexo no “baray”, o reservatório de água.

É imenso, cheio de simbolismos, de marcas da tal alternância entre os governos budistas e hinduístas.

C 8 devatas Angkor vat

Apsaras são semideusas talhadas na pedra que parecem mesmo dançar.

É impossível conhece-lo todo, precisaria de vários dias.  Mas o que se pode ver é emoção na pedra.  E ainda há templos ativos, onde vão os devotos fazer suas preces.

É cercado de muralhas, formando um grande quadrado.  Mais antigo que a capital, Angkor Thom foi erguido pelo mesmo rei Javayarman VII e foi usado quando como seu palácio até a conclusão das instalações reais na cidade.

C 8 baray Angkor vat

Depósito de água dentro de Angkor Wat.  Parece foto em preto e branco.

Durante a noite devo ter sonhado com aquela visita que tanto desejei.

É tradicional ver o nascer do sol em Angkor Wat mas só nós duas topamos sair de madrugada. Achamos até que o local estaria com pouca gente e logo na chegada fomos surpreendidas pela multidão.  O sol vem por trás do templo, muda as cores.

C 9 Nascer do sol Angkor vat

Vendo o sol nascer em Angkor Wat.

Na volta para o hotel encontramos a cidade começando o dia, garotada de uniforme de escola, gente com seus produtos para vender.  E vamos ao café da manhã que tem mais visitas para fazer.

C 9 Kha em Angkor vat

Com Kha, de manhã cedo em Angkor Wat.  Um guia que honrou seu povo.

Angkor está na bandeira do Camboja, e por mais antiga que seja sua história, o atual país só é autônomo recentemente desde 1998.

Depois do auge do Império Khmer, muitas invasões e outros povos dominaram a região.  Em 1863 chegaram os franceses, que costumavam manter os governantes locais mesmo sem função de comando.  Ali estiveram durante a Segunda Guerra e saíram definitivamente em 1953.  Foi a época da Guerra da Indochina e a ela sucedeu o regime comunista que culminou no genocídio de Pol Pot (1975 a 1979).  Essa fase chamada de governo do Khmer Vermelho é estimado o extermínio de 25% da população.  Ninguém podia usar óculos, ter problema físico e nem falar qualquer idioma estrangeiro; era executado.  Recém-saído de sua guerra, foi a vez do Vietnam invadir e interferir até 1998.  Foi quando refez-se o Reino do Camboja.

Naquela manhã o primeiro templo foi Banteay Srei, considerado obra prima da arte clássica Khmer.  Muitos países mantinham restauradores trabalhando na recuperação dos monumentos Khmer, usando técnicas diversas.  Há placas explicando um pouco dos trabalhos.  Havia desde chineses a italianos, passando por israelenses e mexicanos.

C 10 Banteay Srei Monte Meru

A forma de Banteay Srei é considerada a melhor representação do Monte Meru.

Foi ali em Banteay Srei que tivemos uma aulinha de restauração.  Sabe o que é anastilose?  É uma das técnicas de restauração e que está sendo usada ali.  Primeiro tudo é documentado, depois identificado, desmontado e reconstruído.  Se faltarem partes, pode ser usado material moderno.

C 10 Banteay Srei detalhe

Detalhe dos relevos de Banteay Srei.

Depois veio Ta Phrom, talvez a segunda imagem mais conhecida com seus templos meio cobertos, meio destruídos pela vegetação tropical de raízes enormes sustentando grandes árvores.

Acho que este lugar me impressionou mais do que Angkor Wat.

É meio sombrio, mas demonstra força. Um lugar onde blocos de pedras com esculturas e árvores imensas disputam o poder.

Em algumas partes de Ta Phrom a vegetação foi removida, deixando ver entalhes e esculturas.  De um modo geral as maiores árvores foram deixadas e dizem que removê-las pode causar danos irreparáveis.

Não sei explicar, encanto é assim. É para sentir e desfrutar.  Ali foi o cenário que me encantou.  Quando depois revi o filme de Lara Croft – Tomb Raider, tudo tinha um novo significado.  Eu tinha visitado a ficção.

C 11 Ta Phrom

Sinta-se pequeno como eu junto das ruínas e das raízes de Ta Phrom.

Em quase todos os caminhos de acesso aos monumentos e templos havia música tocada e cantada por pessoas que tinham sofrido lesões graves por conta do tempo da ditadura ou acidentes com minas terrestres.  Fazia algum tempo que o Estado lhes dava essa preparação e algum apoio financeiro para se manterem.  Era muito triste, mas dava um certo conforto saber que não estavam abandonados à sua própria desventura e dificuldade.  Sempre alguém lhes dava algum dinheiro.

C 12 Saída Ta Phrom

Grupo de músicos e cantores na saída de Ta Phrom.  Todos são lesionados por minas terrestres e recebem amparo oficial.

No horário da parada para almoço, Marilza e eu marcamos um tuc-tuc para dar uma volta pela cidade, conhecer o mercado, ver o dia a dia das pessoas.  Saímos depois de uma chuva forte, que deixava o ar mais úmido e a sensação de abafamento mais intensa.

Depois da pausa, pela tarde houve visita a Phrea Khan, a fonte Neak Pean e Banteay Samre. O guia sempre nos comentava nestas visitas que havia ainda muitos sítios arqueológicos a serem explorados mas que antes havia o trabalho de equipes internacionais fazendo a busca e desarme das milhares de minas terrestres que ainda causavam eventuais mortes pelo país.

C 13 Phrea Khan

Phrea Khan também foi construído pelo rei Javayarman II e foi um dos grandes monastérios budistas em sua época.  Foi dedicado a seu pai.

Nessa tarde Marilza e eu tivemos algum trabalho em definir o horário da visita do último dia.  Nossas duas companheiras queriam dormir na manhã seguinte, fazer o passeio à tarde e seguir para o aeroporto no fim do dia. Acontece que o nosso voo saía no meio do dia.  Ganhamos a disputa de horário graças à nossa disposição de ter acordado cedo para ver o sol nascer.

O jantar de despedida foi num restaurante local bem moderno, com música e danças regionais.  Aquelas mãos das dançarinas parecem não ter ossos, tão maleáveis e delicadas.

Nosso último compromisso cambojano era navegar pela cidade flutuante de Chong Khneas na lagoa de Tonle Sap, a maior do Camboja e uma das maiores da Ásia.

O Tomle Sap alimenta e é alimentado pelo rio Mekong. O movimento de entrada ou saída de água depende da época das chuvas de Monções.  Por isso as casas precisam flutuar, de acordo com o nível da água e correnteza.

C 15 Chong Kneas geral

Um pedacinho do grande lago Tomle Sap.

Vilas como essa são comuns nas áreas alagadas, as construções preparadas para subir e descer conforme o nível das águas. Ali tem mercado, templo budista, igreja católica, quadra de esportes, residências.

C 14 Chong Kneas

Família com crianças, igreja, cachorro.  Tudo é Chong Khneas.

Minha veia de professora se emocionou quando vi alunos escrevendo num quadro dentro de uma escola flutuante. Diferentemente do Laos, a educação no Camboja é pública, gratuita e obrigatória.

C 15 Chong Kneas escola

O aluno em sua escola flutuante.

Não foi um passeio longo, mas foi significativo, mais uma vez mostrando a tradição e a força para viver daquele povo.

Deixamos com Kha as roupas que nos restavam, que seriam entregues a uma instituição beneficente.  Saímos do Camboja apaixonadas por lugar e povo, depois de dias surpreendentes.  Tudo ali tem a marca da superação e de um alto astral inabalável.

Agora estávamos de volta à Tailândia.  Tínhamos uma última noite em Bangkok para encerrar uma viagem impressionante.

O final da tarde foi para dar uma olhada no trem suspenso da cidade, visitando um pouco da sua parte moderna.  Na volta ao hotel resolvi ficar numa das salas de massagem nos pés.  Uma de nossas companheiras perdia os passeios para ir às casas de massagem e sempre elogiava, contando que geralmente eram pessoas cegas.  Ali não eram cegos.  Preços baratíssimos.  Marilza preferiu seguir para o hotel e arrumar mala.

Nunca pude imaginar que fosse tão relaxante.  A massagem começa nos pés, parece que eles vão se desmanchar.  Depois relaxa as pernas e finaliza na coluna cervical.  Bem que tentei convencer o massagista, pequeno e magro, a se esconder na minha mala e vir comigo para o Rio de Janeiro.  Eles riram muito.

Na rua encontrei Marilza com cara assustada.  A massagem nos pés durou mais de uma hora.  Ela achou que tinha acontecido alguma coisa e estava voltando à loja para me procurar.

Aproveitamos a noite para comprar nas lojas perto do hotel aquilo que já tínhamos visto.  E fomos comer no mesmo restaurante com jardim onde sabíamos que a comida era boa, barata, saudável e sem pimentas.

T 111 Av Silom

Monumento aos elefantes na avenida Silom, na despedida de Bangkok e da Indochina.

Depois foi só o voo até Frankfurt com a conexão para o Rio de Janeiro, o que acaba com o relaxamento de qualquer massagem.  E já dava vontade de voltar ao Laos e Camboja.

Se precisasse definir cada país por uma palavra seria Agitação para o Vietnam, Tranquilidade para o Laos e Força para o Camboja.  Tailândia já era reprise, não vale a buscar definições.  Tirei muitas fotos e para escrever agora foi gratificante poder recordar.