2000 (dezembro) – Lençóis de areia

Esta viagem tinha ficado esquecida de publicar, mas são lugares tão lindos que resolvi voltar no tempo. Vá até lá, Lençóis Maranhenses e Alcântara.

Precisava acabar com o pedaço das férias que me sobrava.  Arranjei uma composição para conhecer os Lençóis Maranhenses e depois ficar uns dias em São Luiz.

#   O roteiro: Uma semana.  Os programas em Lençóis Maranhenses eram curtos por causa da hospedagem reduzida, e então o jeito era cada turista passar pouco tempo por lá.  De São Luiz a Barreirinhas, cidade de acesso aos Lençóis, ainda não havia estrada, só pequenos aviões, bem pequenos.  Depois ia ficar em São Luiz e fazer passeios ali por perto.  Queria muito ir a Alcântara. 

Barreirinhas é uma cidade muito pequena.  Boa parte da hospedagem fica por conta de um cantinho numa casa para passar a noite.  Só havia uma pousada, e era quase impossível conseguir vaga nela se não fosse em um pacote.  E para chegar a Barreirinhas, tinha que passar por São Luiz do Maranhão.

Acho domingos em geral muito chatos.  Chegar domingo numa cidade de praias onde seu hotel fica longe delas é desanimador.  Fiquei muito chateada porque constava ser um hotel junto do mar; na realidade era de frente para o manguezal.  O centro velho ficava longe e no hotel o nível de desinformação era grave.  Perto do hotel não havia nada.  Fui para um shopping, pelo menos tinha certeza de encontrar movimento.

Saía para os Lençóis logo na segunda-feira.  Mala deixada no hotel, apenas uma mochila para os dias a seguir.  O motorista veio me pegar no hotel na hora certinha e fomos para um aeroporto pequeno onde deveria embarcar para Barreirinhas, porta de entrada do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. 

Cadê o avião?  Não estava.  Só um vigia estava lá, não sabia informar nada.  Não tinha telefone que se pudesse usar.  Procura um telefone público, liga para a agência, que manda procurar em um aeroporto de treinamento de pilotos.  Também não havia nenhum voo programado.  Telefona para a agência de novo, manda voltar ao primeiro aeroporto.  Continuava fechado, só passarinhos na pista.  Eu ansiosa, o motorista chateado porque nada dava certo, dirigindo depressa demais para a qualidade do asfalto daquelas estradinhas.  Ele teve um palpite e sem perder tempo de avisar na agência, partiu para um acesso secundário do aeroporto principal.  Acertou na mosca e na hora exata.

Estava lá o aviãozinho de cinco lugares.  Já tinha até aparecido um candidato para o meu lugar, só esperando o embarque dos outros quatro.  Não interessava saber quem tinha feito a besteira, eu queria era embarcar.  Dei uma gratificação ao motorista, olhei com falsa tristeza para o quase ocupante do meu assento e começamos o voo.

O tempo todo é uma visão incrível, começando pelos manguezais junto de São Luiz, depois a vegetação de final da mata amazônica e de repente lá estão eles, os Lençóis Maranhenses.  Quem não os vir do alto não tem a verdadeira dimensão deles, em tamanho e beleza.  É simplesmente espetacular.  E nem era época das lagoas muito cheias.

  A areia se alternando com as lagoas parece mesmo o tecido ondulado de um lençol largado.  

A Pousada do Buriti era deliciosa, simples mas muito bem cuidada, bastante nova e jeitosa.  Na portaria, um rapazinho com problemas de deficiência neurológica, de uma alegria contagiante.  Naquele dia estava especialmente feliz porque tinham avisado que na semana seguinte ele iria fazer um passeio para ver a obra da estrada que chegaria a Barreirinhas e iam levá-lo até onde já estava o asfalto.  Não me lembro do nome dele, uma pena.  Ele sabia tudo do hotel, operava fax e conhecia o cardápio da noite de cor.

O apartamento era um charme, com uma varandinha interna envidraçada e um arbusto plantado.  Na manhã seguinte iria descobrir que os passarinhos brincavam por ali.

Chegou o responsável pela minha visita da tarde, e veio com uma história de que eu viajava sozinha, que não podia fazer o passeio num jipe só para mim porque seria prejuízo.  Resposta imediata, que me ponham em outro jipe porque havia outros visitantes.  Seu argumento foi de que eram de outra agência, não podiam ser misturados.  Ele propunha que eu pagasse um valor extra.  Aí ficou clara a artimanha.  Foi a hora de telefonar para minha agente de viagens no Rio de Janeiro e esclarecer as coisas.

Quem viaja sozinho sabe que paga mais.  Mas isso é cobrado quando se contrata o serviço.  Se não cobrou, assume o risco.  Algum tempo depois retorna minha agente confirmando que o serviço estava pago, nada devia ser cobrado a mais, era o responsável querendo bancar o esperto.

Claro que ele não gostou.  O passeio era marcado para o final da tarde, por causa do calor, do reflexo do sol na areia e a temperatura que ela atingia.  Na hora marcada lá estava um jipe e um motorista para mim.  Saíram todos os viajantes na mesma hora, todos fizeram as mesmas paradas e as mesmas caminhadas.

  Há muito reflexo de luz na areia e na água, as fotos não ficam boas.  

O passeio faz jus ao que se vê lá de cima.  Primeiro tem que cruzar o rio numa balsa.  O jipe fica na base de uma das dunas.  Dali em diante serão longas subidas e descidas de dunas, lá em baixo lagoas de diversas cores, com água doce acumulada das chuvas e onde nadam vários peixinhos.  Algumas são rodeadas de cajueiros que crescem ou se deitam de acordo com o movimento das dunas.  Pode-se mergulhar, nadar ou simplesmente caminhar, dependendo da profundidade de cada uma.  No fim, pernas cansadas e cara satisfeita.

Para o dia seguinte foi proposto um passeio descendo de barco o rio Preguiças até sua foz.  O interessante é que neste opcional os clientes de diversas agências podiam se misturar.

São feitas algumas paradas ao longo do rio.  Áreas que eram de manguezais já foram invadidos pelas dunas.  Aquele aspecto de deserto dá mais sede ainda.  O sol queima e o reflexo na areia muito clara incomoda os olhos.  E o vento chicoteia os grãos nas suas pernas.

  Descendo o rio Preguiças, cercado de mata e manguezais, mas a areia já invade trechos da margem.

A foz do rio é conhecida como Caburé.  Ali havia um restaurante e estavam construindo uma pousada.  O mar era bastante perigoso, e sem qualquer recurso de salvamento por perto, o melhor era andar um pouquinho e tomar banho de rio.

Podia ser feito um voo de ultraleve, o que não foi muito animador quando vi o primeiro deles subindo.  Já tinha visto os Lençóis do pequeno avião, iria ver outra vez na volta.  Não estava com ânimo de correr riscos.

O almoço seria ali mesmo no Caburé.  Perguntei o que tinham e a resposta foi pequena e desanimadora – peixe frito.  Eu não sou chegada a peixes, fritos ainda pior.  O cheiro e as espinhas não me agradam.  Perguntei por alguma salada, batata frita, arroz.  Não tinham nada, só peixe frito.  E frutas para fazer suco.  Almocei um jarro de vitamina de todas as frutas que misturaram.  E estava gostoso.  Melhor ainda, levei jarro e copo para ir bebendo mergulhada na beira do rio. 

Na volta o barco parou no povoado de Maracatu.  São os meninos que levam os visitantes até o farol, pintadinho de branco da sua restauração recente.  A garotada já estava de férias, solta como não são mais as crianças de cidades. 

Subimos o farol com nosso pequeno guia e sua primeira informação foi mostrar orgulhoso onde era a escola dele.  A tarde de sol, o ar limpo, a vista ia longe, até o mar.

De volta à pousada, foi só tomar banho e correr para pedir um bom jantar.

  Do alto do farol do povoado de Maracatu a vista das casas, da curva do rio Preguiças e o mar ao fundo.  

Passeando pelas lojas da vila, quase tudo era derivado do buriti, palmeira abundante na região.  O doce não é tão açucarado e fica bem saboroso.  Tem muito enfeite de palha, toalhas para mesa e bolsas.  Sempre tudo do buriti.

Passarinhada cantando com toda força, acordei cedo.  Fui para a beira do rio Preguiças, no alto de uma duna.  Na mesma curva do rio, uma outra duna tinha invadido e encoberto um posto de combustível. 

  No alto da duna à beira do rio Preguiças.  Sol nascendo às 5:20 da manhã.  

Era o dia de voltar a São Luiz no mesmo aviãozinho, ver de novo aquela imensidão de areia com lagoas.  É uma paisagem que não cansa, parece dançar.

  Há diferentes formas das dunas se arrumarem com o vento, algumas parecem cordões.

O retorno foi para o mesmo hotel no meio do nada, de frente para o manguezal. 

Fui de ônibus para o centro da cidade, mesmo antes do passeio incluído para o dia seguinte.  Aproveitei para comprar mais umas coisinhas de comer que só existem por lá.  E completei jantando num dos lugares do centro histórico, admirando os azulejos.

No dia seguinte tinha o passeio pela cidade.  Começou pela praia do Calhau, onde vi de longe o hotel onde estive muitos anos antes e agora tinha outro nome.  Depois foi o centro velho, e o destaque é mesmo o casario revestido de azulejos, muitos precisando de cuidados.  Tem também as escadarias e as ladeiras, algumas bem difíceis de subir.

Nem pensei em voltar para a minha janela de frente para o mangue.  Nada contra os manguezais, são importantes demais.  O que é desagradável é ficar de frente para ele, afinal aquela lama preta ora encoberta pela água ora aparente não é uma vista bonita.  E quando bate o sol forte, vem o cheiro característico.

  Rua Portugal, perto do Mercado das Tulhas.  

Fiquei passeando pela cidade, descobri que na tarde de sábado haveria apresentação de balé folclórico no teatro Arthur Azevedo.  Baratinho, oportunidade de conhecer o teatro, ver um pouco do folclore, jantar por ali mesmo.

Os famosos azulejos portugueses, orgulho da cidade, nem sempre estavam bem recuperados.  Muitos edifícios abandonados, bem deteriorados e com muitas falhas na decoração da fachada.  Os já restaurados são fantásticos.

  Fonte do Ribeirão.  Lenda urbana antiga, dizem que pela galeria de abastecimento de água, as pessoas podiam fugir escondidas.  

Neste dia conheci o Guaraná Jesus.  O gosto é de guaraná, o líquido é cor de rosa.  Passei num mercado e comprei umas latinhas para trazer.

Fui caminhando, cheguei até a Fonte das Pedras, responsável pelo abastecimento de água aos portugueses durante a invasão francesa no Maranhão.  E também a Fonte do Ribeirão, mais central, perto do teatro.

Muitas vezes lembrei de velhas aulas de História no colégio contando da fundação de São Luiz pelos franceses em 1618.  Eles insistiam em ter uma colônia pela América do Sul.  Ainda existem fontes que marcam aqueles anos de luta entre francesas e portugueses. Acabaram ficando com a Guiana.  Nem em São Luiz nem na costa do Rio de Janeiro. 

  Nem pergunte pelo nome oficial do Quebra Bunda, antiga ladeira, transformada em escadaria no centro histórico de São Luiz.  Acho que ninguém sabe.  

Passear por São Luiz é também descobrir que de ponte a hospital, de biblioteca a pracinha, quase tudo tem o nome de alguém, vivo ou morto, da família Sarney.

Cansada, carregando latas de guaraná, resolvi comer algo cedo e pegar meu ônibus para o hotel.  O motorista me reconheceu da véspera (incrível!) e foi logo avisando que ia parar na esquina para ficar mais perto e não me preocupasse com o peso.  Só restou sorrir e agradecer muito. 

Esperava ansiosa pela visita a Alcântara, lugar complicado de chegar e sair por causa da precariedade do cais e as grandes variações de maré naquele litoral.  Minha mãe detestou o lugar, o que para mim é um bom sinal, já que gostamos de coisas bem opostas.

E foi isso que aconteceu.  Achei Alcântara interessante, com sua história bem triste e fascinante.

O cais é um terror, idosos e crianças têm muita dificuldade e se consolavam com a promessa longínqua de que iam construir um cais flutuante.

A subida até a parte principal da cidade se chama Ladeira do Jacaré, e o desenho em pedras brancas e pretas dizem que é um símbolo da influência local da Maçonaria antiga.  E dali em diante arquitetura e história vão juntas.  São Luiz, numa ilha, não era a cidade mais importante do estado durante a colônia e o império.  As famílias ricas, os maiores comerciantes, viviam em Alcântara, e eram seus filhos que saiam de lá para estudar no sul.

  O lado rico de Alcântara: casas de dois andares.  Os solares eram apenas residências; os sobrados eram residência no segundo andar e negócio da família no térreo.

Durante o tempo do Segundo Império correu a notícia de que D. Pedro II iria visitar a comarca ainda em data indefinida.  Cada um dos dois rivais, os barões de Mearim e de Pindaré, mandou construir um palacete para hospedar o imperador.  Ele nunca foi lá.  Os palacetes, como a cidade, entraram em decadência.  Deles só restam pedaços de paredes com vãos de janelas.

O declínio foi acentuado com o fim da escravidão e do império.  As famílias ricas abandonaram as propriedades e –  como os palacetes – algumas ruíram.

Alguns meses depois estava de perna quebrada (isso já é outra viagem) e li “A Noite sobre Alcântara”, um dos livros de Josué Montelo sobre o Maranhão.  Lia e acompanhava as cenas me deslocando pelo mapa que tinha trazido da cidade.  Só que no livro acontece um incêndio.  O resto é mesmo a vida e história da cidade.

Como havia muito turismo, havia muitas e gostosas opções para almoçar.  E tinha que ser rápido para ainda conhecer o pelourinho de pedra, a Praça da Matriz e a Igreja do Carmo.

  Casas de um piso, das famílias mais pobres.  

As partes da cidade onde viviam as pessoas mais pobres, que não puderam simplesmente abandonar a cidade, ficou mais bem conservada, porque os imóveis permaneceram ocupados e com manutenção.  Em todas as ruas já foi feita a passagem de cabos e fios subterrâneos, e isso ajuda a dar um aspecto mais antigo.  As luminárias de rua imitam lampiões.

  De alguns solares ricos só restam paredes e a vista distante para São Luiz.  

Algum tempo depois a cidade sofreu um baque, que atingiu todo o país.  Um acidente no Centro de Lançamentos de Alcântara, a base militar de onde eram lançados foguetes com satélites.  Uma explosão destruiu quase tudo e matou uma geração de cientistas.

O desembarque em São Luiz também foi complicado por causa da variação da maré.  Mas não importava, eu tinha feito um bom passeio a Alcântara.

Arranjei um tour pela manhã até a colônia de pesca da praia da Raposa e São José de Ribamar.   Muitos maranhenses se chamam José de Ribamar, o nome do santo de maior devoção por aqueles lados.  O passeio em si não teve nada de especial, nem mesmo a igreja do santo tem qualquer atrativo especial.  É a crença forte e gratidão das pessoas que fazem ser especial.

Naquela tarde de sábado tinha a apresentação de folclore no teatro.  Estava quase vazio.  O prédio estava cheirando a novo, recém-restaurado e reinaugurado com pompas pela governadora.   De repente faltou luz.  Escuro, quente e sem perspectiva.  Foi uma espera razoável.  O espetáculo começou, e eram números de dança folclórica modernizados. 

Quando terminou, desci para a parte mais agitada do centro velho, onde já tinha estado e conhecia os lugares.  Fui buscar um local para jantar, pois nem queria voltar tarde porque sabia que no entorno do hotel haveria um deserto.

  A única foto, manchada, da Igreja de São José de Ribamar

Guardei boas imagens do centro antigo de São Luiz, e merece ser sempre e mais cuidado.  Enquanto estive na cidade não pude ir ao Centro Cultural, fechado e sendo preparado para receber a exposição dos 500 anos do Descobrimento do Brasil.

Um pedacinho da manhã que restava antes do embarque fui para a piscina do hotel.  Começou a chover.  Então nada mais a fazer a não ser preparar a bagagem e voltar carregando doces de buriti e latinhas de Guaraná Jesus.

Os Lençóis Maranhenses entraram na lista das visitas que deveriam ser consideradas obrigatórias para entender e valorizar as belezas do Brasil, junto com o Pantanal e a Amazônia.  Também gostei muito de Alcântara e sua história; o cais flutuante foi instalado em 2004.

2011 / 2012 – (dezembro e janeiro) – Mais um Ano Novo a bordo

Fazia tempo que queria ver a queima de fogos de Copacabana pelo lado do mar.  Minha mãe bastante idosa ainda topava mais uma aventurazinha, sem remexer malas nem precisando se deslocar.  E assim começamos 2012.

℘  O roteiro: Partindo do porto do Rio de Janeiro, a primeira parada era logo adiante para ver o Ano Novo começar em Copacabana.  Depois houve estadas em Cabo Frio, Búzios, Ilhabela e Santos.

As obras no porto do Rio de Janeiro já estavam começando e a confusão era razoável.  Mas o pessoal que controlava o embarque já procurava os passageiros no ponto de chegada dos táxis.  Surpreendentemente fácil e rápido, logo estávamos na cabine do “Vision of the Seas”.  Tivemos tempo suficiente para ver a partida no convés da piscina.

Pode dizer que é bairrismo, mas o Rio de Janeiro é lindo.  A saída da baía de Guanabara é demais, só falta despoluir.  É bonito sim, e é pra dizer isso bem cheio de orgulho de ser carioca.

A queima de fogos à meia noite em Copacabana foi um espetáculo muito bom.  Chovia muito mas deu para ver bem, todos mais ou menos protegidos da chuva forte no convés do navio.  As fotos ficaram ruins por causa de tanta água entre os navios e os desenhos coloridos.  Era bonito de se ver mais de dez navios enormes e outros barcos enfileirados, imaginando quantas pessoas se deliciavam com a festa na praia ou embarcados.

O dia 1º de janeiro foi navegando em círculos, dando um tempo dos passageiros descansarem, o cassino poder funcionar e tentar aprender a andar naquele mundão.   O tempo continuava com chuva, convite ao ócio.

No outro dia acordamos em frente a Cabo Frio, com chuva.  Nenhuma visita organizada, mas vários taxis disponíveis no portinho, onde se chegava nas lanchas.  Minha mãe e eu pegamos um deles e pedimos para dar uma vista geral pela cidade, que eu não revia há décadas, apesar de tão perto do Rio de Janeiro.

Mais uma noite com uma viagem curta e estávamos em Búzios, irreconhecível de tanta gente.  Fizemos um passeio de van, comprado lá mesmo, para ver as praias.  Depois uma caminhada para o ponto mais popular da cidade – o monumento de Brigitte Bardot – e alguma espera na fila para tirar foto com ela.  E recomeçou a chuva.

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Um bate papo com Brigitte Bardot em Búzios, cidade que ela ajudou a ficar famosa.

Encontrei no navio minha xará na faculdade e passamos algum tempo de tarde conversando, trocando lembranças e contando casos dos anos de profissão, aproveitando o fazer nada a bordo.  Ela também viajava com a mãe em um pequeno grupo e combinamos de nos encontrar todas as noites antes do jantar.

Um charme e gentileza deste cruzeiro eram os bichinhos feitos com toalhas que os camareiros faziam em todas as cabines.  Pena precisar usar as toalhas.

Nossa mesa de jantar era simpática e fiz amizade com duas irmãs que se sentavam ao meu lado.  A comida era gostosa, diferente daquela em que a carne ou o frango são sempre iguais, só varia o molho.

E já que as comparações são inevitáveis, gostamos mais do atendimento e serviços neste navio, mas o cruzeiro anterior era melhor na programação para os passeios em terra.  A decoração deste também era muito mais discreta e elegante.

Dia inteiro navegando.  Pelo menos havia sol e a piscina era um bom programa para bater papo.  Confirmei que não tenho mais paciência para aquelas brincadeiras que um dia lá no passado eu achei divertidíssimas.  Alguns dos camareiros fizeram uma apresentação de como faziam os bichinhos de toalhas, com aquela rapidez e destreza que só a prática traz.  Tentei fazer ainda no navio, usando as toalhas da cabine e saíram todos tortinhos.

Desta vez em Ilhabela havia vans para dar um passeio pelos arredores e quem quisesse ficava nas praias.  Demos uma olhada nas praias, e resolvi voltar com minha mãe quando percebemos que iam ficar superlotadas.  Sabíamos que a cidade não tinha estrutura para receber desembarque de dois ou três transatlânticos no mesmo dia.

Ilhabela

Minha mãe, que detesta fotos, em Ilhabela.

Para a manhã em Santos eu queria ir ao Aquário Municipal, já que no cruzeiro anterior tínhamos feito o passeio pelas praias e pontos históricos.  E assim fizemos.  A saída do porto de Santos não tem o tumulto do porto do Rio de Janeiro, é simples conseguir um taxi.  Depois da visita, uma caminhada pela avenida da praia e já era hora de retornar.

Orla de Santos

Os enormes e bem cuidados jardins litorâneos de Santos.

A saída de lá é sempre original, muito perto das pessoas acenando da calçada e dos prédios.  E aquele porto parece infinito.

No dia seguinte logo cedo entramos no litoral do Rio de Janeiro (desculpe a repetição, mas é lindo demais) vendo o Pão de Açúcar, os fortes na entrada da Baía de Guanabara e o sol subindo já bem quente.

2012 Rio

Pão de Açúcar, lá longe a Pedra da Gávea e o Corcovado à direita – é a minha cidade.

O desembarque foi até fácil, peguei logo nossa pequena bagagem.  Até aí tudo bem e fomos procurar táxi.  Encontramos o caos, na sua forma mais calorenta possível.  As filas eram uma desordem, os preços extorsivos, as brigas frequentes.  Os agentes de trânsito eram inúteis, atordoados com tanta confusão e desrespeito.

Consegui uma mureta na sombra e deixei minha mãe sentada lá com as maletas e fui ver se entendia alguma coisa.  Pensei em telefonar para um taxista conhecido, mas era inviável pois ele não conseguiria nos achar antes de ser trucidado por turistas enlouquecidos.  Alguns tinham que ir para o aeroporto, com horário apertado e estavam chegando ao desespero.  Transporte público não havia por ali, desviado por causa das obras.  A esperança era que após alguns conseguirem sair, o caos fosse diminuindo.  Depois de umas duas horas a encrenca começou a se reduzir.  Minha mãe ainda estava na sombra, mas cansada e mal acomodada.  E nem foi dia de muitos navios chegarem simultaneamente.  Foi o lado ruim da viagem.

2009 / 2010 (dezembro e janeiro) – Tempos de infância

Minha mãe se aproximava dos noventa anos.  Lúcida mas com problemas de joelhos e equilíbrio.  Vejo nela meu futuro capengando.  O roteiro era perto, hospedagem em uma só cidade, sem movimento de malas.  A festa de Ano Novo era no próprio hotel.  Faríamos o que fosse possível.  O mais chato de tudo é que perdi todas as fotos desta viagem.  Na forma digital e as impressas.  Não sei como isso aconteceu.  Bem chato.

⊕  O roteiro: De ônibus confortável, muitos passageiros de terceira idade.  Paradas técnicas estratégicas e o resto para ficar em São Lourenço.

O passeio começou com um susto.  Minha mãe, sempre antecipada, tinha guardado seus documentos na sacola que iria levar.  Quando chegamos no embarque e pediram para verificar se todos tinham documentos, ela foi procurar em outra bolsa.  Queria voltar para casa e não viajar mais, queria que eu fosse sozinha.   Estávamos perto de casa e haveria mais dois locais de embarque, dava tempo de voltarmos, pegar o documento e irmos para o último ponto.  Ela não admitia fazer isso, queria voltar e ficar sozinha em casa, uma maluquice.  Nem precisou.  Ela resolveu procurar na tal sacola e lá estava sua identidade.

Apesar da época de muita gente já saindo do Rio de Janeiro, a estrada estava sem engarrafamentos.  O almoço foi num hotel em Caxambu, com tempo de passeio pelo parque.  Fui procurar os balanços duplos de madeira, junto do bambuzal.  Eles ainda existiam, e me sentei num deles para sentir a infância voltar.  Faltava meu avô.

Fui olhar a piscina, junto do edifício dos banhos terapêuticos.  Ali faltava meu pai.

Na saída da cidade ainda passamos pela esquina do hotel onde nos hospedávamos.  Antigo, com seu nome escrito na tabuleta pendurada sobre a porta.

Nosso quarto no hotel de São Lourenço ficava de frente para o parque, bem agradável.  Como todos os hotéis da região, o jantar é incluído, uma característica das estações de águas.  Para nós era bem conveniente.  Minha mãe fez a festa na canja, todas as noites.  O mais interessante é que existem vários restaurantes nas cidades, mas que só abrem para almoço.  É raro encontrar isso.

Um dos passeios foi à Casa de Nhá Chica, em Baependi.  Ela nasceu no início do século XIX e se tornou uma pessoa muito crente e piedosa, devota de Nossa Senhora da Conceição.  Muitos a consideravam santa.  Junto de sua antiga casa, ainda preservada, fica o santuário da Virgem.

No dia do passeio a Lambari, minha mãe acordou com sinais de infecção urinária.  Ficou no hotel com o remédio que tínhamos levado por precaução, já que ela tem esse problema com certa frequência.  Na parte da tarde, já melhor, fomos até a feirinha de artesanato.  Muito enfeite para casa, roupas bonitinhas, preços bons.

No dia seguinte, andando pela cidade, foi ela que descobriu um motorista de taxi para nos levar até uma cidade chamada Christina, que ela sempre ouviu falar, achava o nome bonito e queria conhecer.  Estavam ali todos os ingredientes de cidadezinha mineira.  Ainda vimos os últimos preparativos para a festa daquela noite na praça principal.

A festa de réveillon foi no salão do hotel, com música ao vivo e comida gostosa.  E muito prático para os mais idosos.  Na rua, um ou outro foguetório.  Como todos os hotéis faziam festa, não sei se a cidade é desanimada para festa na rua ou se foi por causa da chuvinha que não parava.  Não se via ninguém por ali.

No dia seguinte, mais passeios nas redondezas, mas continuava chovendo. Mesmo assim, de manhã fomos até o Parque das Águas.  Bancos molhados, não dava para sentar e apreciar os patos.   Depois do almoço teve trem maria-fumaça e doces para comprar.  A fábrica de laticínios perto da estação estava fechada mas me programei para ir lá comprar outras delícias no dia da volta.

Na última manhã, um passeio de charrete.  Minha mãe é alérgica a cavalos e assim fui sozinha.  Fiquei no caminho para ir até a tal fábrica.  Cheguei carregada de requeijão de corte que eu adoro e tudo o mais que pude encontrar e carregar.

Os dias foram bem aproveitados.

No almoço de despedida, comida de fogão a lenha num restaurante tipo fazenda.  Chovia muito, enlameou o terreno e ficou um pouco complicado na hora de sair.

A volta também foi rápida, sem engarrafamentos e sem ver acidentes.  Tivemos um começo de ano sem atropelos.

Apesar de ter andado por aqueles lugares quando tinha meus vinte e vários anos de idade, desta vez foi diferente. Voltei muitos anos e lembranças.  Revi a infância.

 

2008 / 2009 (dezembro e janeiro) – Réveillon em alto mar

Já não tínhamos mais o cachorro para cuidar e eu queria sair de casa no Ano Novo.  O melhor para a idade de minha mãe seria um cruzeiro.  Tudo dentro do hotel flutuante, e se quisesse sair para passear, podíamos.

♣  O roteiro: Uma semana de cruzeiro no navio Costa Magica.  Embarcamos dia 29 de dezembro de 2008 rumo à Bahia.  Depois para o sul, com destino a São Paulo.  Os passeios em terra já tinham sido escolhidos e comprados em casa, no site da empresa.

Partimos num fim de tarde, vendo desfilar os prédios do centro do Rio de Janeiro.  Ao nosso lado na amurada do navio uma família de Santos aproveitando para perguntar sobre tudo.  Niterói e a Fortaleza de Santa Cruz também estavam lá para receber aplausos.

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Próximo ao cais na Praça Mauá, o Edifício “A Noite”, o primeiro arranha-céu da cidade, o “RB1”, um dos primeiros prédios espelhados no Rio e o velho relógio do porto.

O primeiro dia era todo de navegação e a preocupação era se minha mãe enjoasse.  Quando, há muitos anos, fizemos um cruzeiro até a Amazônia, ela passou alguns apertos.  Os navios mais modernos são bem mais estáveis e dessa vez não houve nada.

A primeira parada foi em Ilhéus.  A visita que tínhamos escolhido era a uma fazenda de cacau, embora a situação não fosse das melhores desde que uma praga chamada “vassoura de bruxa” tinha feito um estrago nas plantações.  Valeu a pena, até porque fizeram um salamaleque completo para minha mãe.

De tarde fui ver o Bataclã, o Bar Vesúvio, o Museu Jorge Amado, tomar sorvete.  Das páginas de Gabriela para a realidade, o imaginário completa o que faltar.

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No centro antigo de Ilhéus.

Seguimos para Salvador.  A parte da visita que era pelas ladeiras a minha mãe não fez, o que é compreensível.  Revi o principal e básico da cidade, do Elevador Lacerda ao Pelourinho, passando pelo Farol da Barra onde ia acontecer a festa maior do Ano Novo.  Na visita das igrejas barrocas, o ouro e os detalhes das igrejas continuam me impressionando.

Terminamos no Mercado Modelo e de lá pegamos um taxi porque eu queria ver o Dique do Tororó e seus orixás gigantes.  O motorista foi gentilíssimo, caminhou conosco um pouquinho e explicou tudo, mostrando orgulhoso e triste o estádio da Fonte Nova que ia ser demolido dentro de poucos dias.

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Dique do Tororó com os Orixás.  Ao fundo o Estádio da Fonte Nova.

Na volta ao porto, passamos por uma fila que não se sabia onde começava e muito menos onde terminava.  Era gente indo para a ilha de Itaparica.

O último pôr do sol do ano foi bem bonito, lembrei daquele que tinha visto no Uruguai.  Não era tão vermelho, mas pôr do sol e mar sempre combinam.

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Em alto mar, o último pôr do sol de 2008.

A festa a bordo não poderia ter fogos.  Muita música e muita confusão nas mesas montadas para a ceia, o que me decepcionou um pouco com a organização.

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A festa no convés para receber 2009.

O outro dia era todo de navegação, na direção do sul.  Com a festa e as bebidas, pouca gente estava acordada.  Fui um pouco para a piscina, mas aquelas brincadeiras eu acho meio chatas, algumas se tornam grosseiras.

A hora do almoço era sempre meio tumultuada por causa do bufê na piscina, mais concorrido que o serviço nas mesas dos salões fechados.  Mas era bom para variar.

Mais tarde fiquei analisando a decoração do navio.  Avaliei como sendo de bastante mau gosto.  O que mais eu ficava cismada eram umas luminárias que pareciam os braços musculosos e as mãos verdes do Incrível Hulk segurando lâmpadas de uma sala pintada em rosa forte.  O restaurante também tinha uns enfeites estranhos, piorados com a decoração das festas.  Tudo muito confortável, mas as cores eram fortes.  É uma opinião de quem não entende nada de decoração.

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Os salões rosados do Hulk.

Na parada em Ilhabela, tinha reservado apenas para mim um passeio de jipe para dar a volta na ilha.  Tinha chovido tanto por lá que os passageiros inscritos foram chamados para avisar do cancelamento deles.

Outros dois transatlânticos chegaram por lá no mesmo dia.  Sem nada para fazer fora dali, aquele monte de gente ficou rodando à toa pela orla.  Cidade pequena superlotada.  Apesar do dia muito nublado, estava quente.  Não havia mais sorvete nem nada gelado na cidade.  Quem tentou um restaurante para variar da comida à bordo, eles estavam com fila de espera sem previsão de hora.  Resolvi pegar a lancha e retornar ao navio.  Melhor mesmo era comer a comida deles, que não era ruim, mas já ficava sem graça, o paladar pedindo um tempero mais original.

Na hora de sair, o sistema de som do navio chamava insistentemente algumas pessoas.  Nunca soube o que aconteceu, foram até procurados em terra mas ficou o mistério.  Nem para matar a curiosidade sobre a bagagem, se ficara a bordo ou não.

Última escala em Santos, que eu não via desde 1982.  Mais que bodas de prata de ausência.  Fizemos a visita guiada e gostei muito da antiga Bolsa do Café.  Na passagem pela orla, as praias lotadas.  Pensei que minha mãe cansasse, mas andou bem, apesar do mormaço quente.

O navio partiria ainda naquela tarde.  Surpreendente a animação do pessoal em terra, ao longo do canal de saída, fazendo a maior festa para os barcos que passavam.

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O pessoal faz a festa na saída dos transatlânticos do porto de Santos.

Desembarcamos sem atropelos na manhã seguinte.  Não sem antes acordar cedinho para ver chegar o Pão de Açúcar com a Praia Vermelha, Copacabana, o Corcovado, a minha cidade.

Foi um bom começo de ano.  Minha mãe até gostou do programa.  Nos horários de navegação, ela ficava ouvindo música nas salas, ficava olhando os detalhes aqui e ali.  Também achou horroroso o Hulk nos salões rosados.  De minha parte, aproveitei bastante o Pilates de solo como atividade incluída; gostei da experiência.  Não tem nem uma foto de minha mãe, ela odeia tira-las.

DSC02630 - Cópia

Essa é a minha Praia Vermelha, o meu Corcovado, o meu Morro da Babilônia.  Lugares bem conhecidos na paisagem perto de onde foi a minha faculdade.  Afinal, eu tenho orgulho desta que chamo de minha cidade.

2006 (setembro) – Santas capixabas

Um nome como esse é meio estranho, mas o nome do pacotinho turístico rodoviário pelas serras e algumas praias no Espírito Santo, durante o feriadão da Independência, falava de santas.  Em 2006 eu ainda não estava aposentada, então ainda valia a pena aproveitar feriados.

∫  O roteiro: Hospedagem em Vila Velha e três dias de visitas programadas, incluindo a fábrica de chocolates.

O caminho era por Campos dos Goitacazes, apenas para o almoço.  Depois foi só ir direto a Vila Velha para hospedagem de frente para o mar.

O primeiro dia de visitas foi para dar uma olhada em três cidades com nome de santas – Santa Leopoldina, Santa Teresa e Santa Maria de Jetibá.  São pequenas, visitadas num só dia.  Em todas elas é fácil perceber os traços da influência dos colonos alemães e italianos.  O jeito de falar das pessoas é sua identidade.

O tempo maior foi passado em Santa Teresa, onde fica o Horto Mello Leitão, onde Augusto Ruschi trabalhou na pesquisa de fauna, principalmente com beija-flores.  É o seu legado científico que está lá.  O lugar parece já ter tido melhores dias.

Santa Teresa

Com um jovem amiguinho na praça de Santa Teresa.

Era o dia do feriado e fomos avisados que a quase totalidade dos restaurantes não estariam abertos para jantar, inclusive no hotel.  Eu e mais alguns passageiros decidimos ficar num shopping para jantar.  Gente por todos os corredores, praça de alimentação lotada, todos do grupo se separaram.  Depois de conseguir comer algo, uma rodada para ver as lojas e pensar no retorno ao hotel.  Não havia ônibus circulando, o aviso estava escrito no terminal.

A fila para táxi era um tumulto só.  Eram pouquíssimos os que estavam trabalhando.  Quem cuidava de tentar organizar a confusão já estava se desesperando, por bons motivos.  Compartilhei um taxi que ia para um hotel próximo ao meu.

No terceiro dia, a tradicional visita ao Convento da Penha, com a vista para Vila Velha e para a capital, Vitória.  E uma parada estratégica na fábrica de chocolates, irresistível.

Na parte da tarde, uma visita a Guarapari.  Lembro que há muitos anos essa cidade era famosa por suas praias de areias pretas, que chamavam monazíticas.  Vi uma cidade praiana cheia de prédios enormes acompanhando toda a orla.  A praia só tem sol pela manhã, os edifícios formaram uma parede que faz sombra sobre a areia na parte da tarde.  Com o uso intenso das praias, também não sobrou nada da areia preta.  O melhor foi poder jantar frutos do mar com calma e sem preocupação com o transporte da volta.

Começando a volta, houve visita a uma comunidade onde se fabricam as panelas de barro usadas para cozinhar a tradicional moqueca capixaba.  Muita gente comprou as peças, que são grandes e pesadas.  Eu me limito a olhar e pensar o tamanho do arrependimento que quase todos terão daqui uns tempos.  Parece despeito de quem não sabe cozinhar, mas não é.

Nem deu tempo de rever Vitória, que eu conheci bastante durante um tempo que meu pai trabalhou lá.  Foi uma passagem sem nem fazer nenhuma parada ou visita.

Restava visitar uma quarta cidade que também teve nome de santa, Isabel, mas mudou para Domingos Martins.

De todas as cidades que se expandiram com colonos, essa foi a que mais gostei.  Foi opinião geral.  Os edifícios antigos estão bem conservados, a cidade bem ordenada, mostrando sua Igreja Luterana que desafiou a lei antiga que proibia templos não católicos de terem torre.

O cuidado com as pracinhas nestas cidades pequeninas sempre me encantou.  O diminutivo é por carinho, pois muitas são bem grandes, para um lazer espaçoso e um bom convívio social.

Domingos Martins

A pracinha de Domingos Martins e a igreja luterana através do jato de água.

Depois foi só o caminho da volta.  Carregando pães, doces cristalizados e biscoitos tradicionais dos antigos colonos.  Feriado terminado e razoavelmente bem aproveitado.

De praia, ficou apenas a vista da janela do quarto.  Não havia tempo livre entre as visitas e as nuvens sempre carregadas ou uma chuva fininha não permitiram.

2004 (fevereiro) – Carnaval com Cora Coralina

Não gosto muito de viajar me feriadões, mas resolvi aproveitar o Carnaval para ir até Goiás Velho.  Aliás, o nome oficial é Cidade de Goiás.

♣  O roteiro: Durante todo o Carnaval ficaria num hotel na parte alta da cidade de Goiás Velho, em regime de café da manhã e jantar.  Só isso.

Foi daquelas viagens que você resolve fazer na época errada, com muitos detalhes para dar errado.  E nem tudo saiu tão mal assim.

Aeroporto Santos Dumont lotado de gente saindo e chegando por causa do Carnaval.  Os voos atrasados e o meu tinha conexão em Brasília.  Era sábado e meu companheiro de assento no avião era um grande e famoso puxador de sambas que estava indo se apresentar no Amapá antes do desfile com sua escola de samba na noite de segunda feira no Rio de Janeiro.  Vida corrida.

Quando o avião pousou em Brasília já tinha uma pessoa na ponta da escada me esperando com um carro.  Perguntou se eu tinha mala para recolher e eu disse que não, só mesmo uma aquela maletinha na minha mão.  A moça me levou para o carro e saímos pela pista até o outro avião, que estava parado esperando sua última e involuntariamente atrasada passageira.

Através da agência de viagens aqui do Rio, tinha conseguido um motorista para me esperar no aeroporto de Goiânia e me levar a Goiás Velho.  Era um carro meio antigo, mas parecia bem.  Ele guardou minha mala e fomos pegar os outros passageiros.  Não tinha sido esse o combinado, mas a situação não permitia argumentações.  Eram pessoas que voltavam para casa.  Enquanto seguíamos pela estrada, tentei combinar o trajeto da volta para Goiânia, mas o motorista não quis fazer o serviço.  Fizemos uma parada para lanche e cheguei ao hotel mais para o fim do dia.  Muito cansada.  E foi providencial que o jantar fosse ali mesmo, já que dependia de descer um ladeirão para chegar ao centro.  E subir na volta.  Lá da varanda, uma boa visão do centro histórico.

A história de Goiás Velho começa em 1722 quando o Bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva estabelece o Arraial de Sant’Anna.  Logo depois em 1736 e com os olhos na exploração de ouro, o rei de Portugal ordenou a fundação de uma cidade para ser capital da província.  A nova ocupação ganhou o nome de Vila Boa de Goiás, e englobava o antigo arraial.  A capital ficou ali durante o Vice Reinado, o Império e os primeiros anos da República.  Em 1930 foi determinada a transferência para uma nova cidade, Goiânia, com o objetivo de reduzir o poder local de uma família.  Oficialmente os motivos eram a dificuldade de acesso e de expansão de uma cidade cercada de montanhas.  Melhor para quem gosta de cidades antigas, porque ficou parada no tempo.

Na manhã de domingo fui procurar uma agência de turismo local para fazer algum passeio pelos parques ao redor.  Logo descobri que era de uma ineficiência total.  Como era Carnaval, eles não iam trabalhar.  Se as pessoas estavam lá para passear, eles não iam oferecer os passeios?  Isso era surrealismo ou falta de vontade de ganhar dinheiro honesto?  Por coincidência chegaram dois casais e mais uma senhora procurando guias para os parques e com muito esforço conseguimos convencê-los a trabalhar naquela manhã.  Só havia um carro disponível, então um dos casais foi no próprio carro, e eu com eles.

Fomos a um parque natural onde fica a cachoeira das Andorinhas.  Enquanto os homens subiam pela cachoeira, as mulheres ficaram aproveitando o ar puro sentadas quase embaixo da queda d’água, limpa e fresca.

$ cascata das andorinhas

Fazendo nada na Cascata das Andorinhas.

Ainda passeamos pelo parque e voltamos para o centro, já ameaçando uma tremenda chuva, que desabou logo.  Eu já tinha escolhido um restaurante para comer o tradicional empadão goiano, uma mistura de frango com tudo que for possível de ficar gostoso, refeição completa.  Pela janela do sobrado assistia a enxurrada pela rua enquanto as goteiras maltratavam o telhado e o teto antigos.

No dia seguinte, o mesmo grupo se reuniu para um passeio até a Reserva Biológica da Serra Dourada, uma paisagem bem original, com trechos de areia colorida e esculturas naturais de pedra.

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Reserva Biológica da Serra Dourada – bioma especial com caminhos difíceis.

Os caminhos eram precários e os carros, sem tração adequada, tiveram alguns problemas.  E ainda tinha uma jovem grávida no grupo.  O lugar é muito interessante mas bem complicado.

Mais um almoço tardio acompanhado de chuva forte. A cidade recebeu a categoria de Patrimônio da Humanidade em 2001 e logo depois sofreu muito com uma inundação.  Foi um daqueles casos que comoveram o país e ganhou uma outra oportunidade, pois logo foi restaurada.  Era nisso que eu pensava caminhando de volta para o hotel no fim da tarde e admirando o casario molhado.  A segunda tempestade do dia me convidou a não sair mais do hotel.

O outro dia foi reservado para conhecer a cidade.   Amanheceu nublado, abafado.  Desci em direção ao rio Vermelho e vi que estava bem alto.  Fui visitar o museu na residência que foi de Cora Coralina, a dona de casa e doceira que se revelou uma escritora tardiamente, e se transformou no maior nome da cidade.  Fica bem junto do rio Vermelho e da ponte.  Pelas ruas, o comentário geral era que vinha descendo muita água desde a cabeceira do rio.

casa de cora

Museu Casa de Cora Coralina e o rio Vermelho bem cheio.

As igrejas estavam fechadas, era Carnaval.  Bom mesmo era olhar as casas brancas de janelas coloridas, antigas e miúdas.

Andei muito naquele dia, fui até o chafariz da Carioca.  Sei que tem um caso qualquer que explica esse nome, mas não anotei e esqueci.

Fui ver artesanato e doces para trazer.  As notícias do rio eram sempre preocupantes e quando passei de novo por ele achei que estava mais cheio e mais turbulento.

rua d'abadia e ig do rosário

Rua d’Abadia e ao fundo a Igreja do Rosário.

Chovia quase sem parar.  Caminhar pelas ruas de pedra era difícil e escorregadio.  Na praça Brasil Caiado conheci o que chamam de Chafariz de Cauda, de 1778.  O nome dele só se entende quando se visita a parte de trás dele, onde fica a sua cauda.

chafariz da cauda

O chafariz de cauda …
e a cauda do chafariz.

cauda do chafariz

Procurava um motorista que me levasse a Goiânia um dia antes do que eu previa.

Chovendo como chovia, o rio subindo de nível, sabia que a estrada não era das melhores, resolvi antecipar a volta e ficar uma noite em Goiânia.  Na capital, sem fama de carnaval animado, seria fácil achar um hotel.  E no caminho queira passar por Pirenópolis, que andava muito falada por causa dos vários cantores sertanejos saídos de lá e pelos passeios de caminhadas na região que estavam na moda.

Consegui um motorista que topou fazer o passeio e me deixar em Goiânia.

Saí de Goiás Velho pela manhã, direto a Pirenópolis.  Na chegada não gostei da cidade.  Ficou melhor quando comecei a andar pelas ruas menores.  Fiquei encantada com alguns prédios em estilo Art Deco, inesperados numa cidade pequena fora dos centros urbanos.  Num artesão local comprei um anel de prata com ametista e turmalina não lapidadas.

centro de pirenópolis

Pirenópolis

O caminho até Goiânia foi uma pista de obstáculos e trânsito perigoso, de dar medo mesmo.   Na chegada, o próprio motorista sugeriu um hotel bem no centro, onde havia vaga e era bom.

Tinha a manhã para dar uma passeada pela cidade.  Na falta de agência de turismo, consegui um motorista que me levou aos Palácios do Governo, o novo e o antigo, ao Estádio Serra Dourada e ao Bosque dos Buritis.  Querer mais do que isso era exagero meu.

À tarde embarquei de volta para casa.

Uma viagem mal planejada para um período confuso, sem ter nada de concreto para o transporte de retorno.  Não gosto de viajar assim.  Foi sorte dar certo, especialmente numa época de muito movimento.

Recomendo conhecer Goiás Velho, uma cidade delicada e forte.  E aproveite sua culinária, a salgada e a doce.

2003 (junho) – Nordeste de pouco turismo

A viagem feita de improviso pelo vale do Rio São Francisco em 2001 despertou a vontade de explorar um pouco mais as terras do grande rio.  Nunca tinha conhecido direito o estado de Sergipe.  E também valia a pena explorar Alagoas.  Fora do eixo das cidades mais badaladas do Nordeste, a ideia era mesmo conhecer o que poucos exploram, lugares que foram ficando esquecidos, alguns bem melancólicos.  Então vamos lá.

♥ O roteiro: Interior do Sergipe, com Canindé do São Francisco.  Uns dias em Aracaju e depois Maceió, explorando seus arredores.  Pouco menos de duas semanas.

Desembarquei do avião, sentei num carro com motorista e fui direto para Canindé do São Francisco.  No meio do caminho, uma esticada de pernas numa cidade que não sei o nome.

Também não sei em que município passávamos quando o motorista avisou para ter cuidado pois iríamos passar por um acampamento de sem-terra na beira da estrada.  Não houve problemas.

Minha hospedagem era no Xingó Parque Hotel, em regime de pensão completa.  Fiquei num quarto com vista para a hidrelétrica do Xingó, o motor econômico da região.

A agência de turismo aqui do Rio e o receptivo em Aracaju só se responsabilizaram por um passeio de catamarã até o Paraíso do Talhado e visita ao Museu Arqueológico do Xingó.  O resto eu teria que procurar e tentar fazer mais algum passeio.  Logo entendi os motivos.

No hotel me esperava um senhor, um tipo sem dúvida nordestino até o chapéu.  Ele iria me levar até o barco e ao museu no dia seguinte.  Hora acertada, fui jantar e dormir; a viagem foi bem cansativa, devia ter ficado em Aracaju.

O passeio de catamarã pelo rio São Francisco, acima da represa de Xingó, deveria ser obrigatório.  A construção da barragem provocou um dano ambiental inegável.  O enchimento do reservatório criou um novo rio, cercado de paredões onde macacos correm, aves fazem ninhos.  É uma outra beleza, criada.  Houve perdas e ganhos.

Paraíso do Talhado

Paraíso do Talhado

O MAX – Museu Arqueológico do Xingó – é didático e corretamente voltado para a população jovem da região.  Tem que dar valor ao que existe lá.  É um museu pequeno e muito bom, que não deixa nada a desejar.

Soube que havia uma vaquejada ou coisa assim na cidade.  Não que seja fã, ao contrário, mas queria dar uma espiada.  Combinei com o senhor do transporte em passar no hotel e me levar até lá, já que ele iria com a mulher naquela tarde e acertaríamos o valor.  Também ficou combinado um passeio a Piranhas, a cidade de Alagoas que fica em frente, na outra margem do rio, para a manhã de domingo.  Fiquei pronta esperando e ele não apareceu.  Vi logo que meu passeio a Piranhas também não seria feito.

Enquanto perdia a tarde sem nada para fazer, tentei fazer o passeio que eventualmente o hotel oferece para Piranhas, incluindo uma das trilhas do grupo de Lampião.  Só que não havia o número mínimo de pessoas.  Não me lembro como, consegui contato com um rapaz que nos fins de semana usava o próprio carro para passeios.  Ele queria me convencer a fazer uma visita de dia inteiro à represa de Paulo Afonso.  Eu queria ir a Piranhas, bem mais perto.  Combinamos hora e preço para a manhã de domingo.

Eu já contava que ia ficar esperando à toa, e errei.  Ele apareceu certinho na hora marcada.

Piranhas merece seu tombamento, é de uma simpatia total.  Casas muito bem preservadas, restaurantes na beira do rio, ruas muito limpas.  Encantei-me por ela.  Foi ali que vi um dos telhados mais bonitos e interessantes, as telhas povoadas de cactos.

Era mais ou menos a hora do almoço, a cidade vazia, dava para imaginar as pessoas em casa.

Piranhas

O casario de Piranhas.  No alto do morro fica o cemitério.

O museu do Cangaço fica na antiga estação ferroviária, é pequeno e bem objetivo.  Foi ali que vi a foto feita na cidade, numa escadinha, com a cabeça degolada dos cangaceiros.  Pedi ao rapaz que me levasse até lá, era tudo pertinho.  Está lá ainda a casa, azul, aparentando ser muito tranquila e sem ter memória da foto macabra.

A segunda parada foi na hidrelétrica de Xingó.  O rapaz trabalhava na usina e conhecia bem as instalações no interior daquela barragem.  Visita rápida, bastante barulho, interessante porque não tinha a menor ideia de como seria essa parte visitável.

Na volta pedi a ele que me desse quinze minutos numa praia do rio.  Não queria sair de lá sem saber a temperatura e o jeito do São Francisco.

Não tinha nada para fazer na tarde de domingo e resolvi ir a pé até a tal vaquejada.  E era mais longe que eu pensava.  Quando cheguei numa parte elevada e deu para ver o centro da arena, foi justamente quando um novilho estava sendo derrubado pela cauda.  Parei, tirei uma foto da cidade, dei meia volta para o hotel.  As pernas doíam, mas não havia táxis na cidade, só motos, mas nem isso eu consegui.

No dia seguinte bem cedo lá estava o meu transporte para Aracaju.  Quando o agente me perguntou sobre a atenção dada pelo tal senhor, que seria o meu contato em alguma necessidade, simplesmente contei o que houve, que ele tinha sumido, nem o telefone atendia.

Em Aracaju a hospedagem seria no Hotel da Ilha, na foz do rio Sergipe, no município de Barra dos Coqueiros.  Não sei porque aceitei isso, ao invés de ficar na zona hoteleira da praia.  O lugar era muito bom, mas dependia de usar um telefone público do ancoradouro e chamar o barco para atravessar o rio e seguir no ônibus do hotel para chegar até lá.  E para sair, precisava avisar a que horas queria atravessar para a cidade.  Com toda essa logística ainda descobri que o hotel não tinha serviço de jantar.  Serviam um lanche com pães, queijos e outras delícias locais.  Então vamos aproveitar, depois pensa no que fazer outros dias.

Aracaju Ct Artesanato

Centro de Artesanato na antiga Escola Normal em Aracaju.

Quando cheguei de volta ao quarto percebi um barulho que parecia um motor.  Todas as vezes que acordei durante as noites que estive lá, o motor não parava e eu não descobria o que era.  Chegava na portaria do prédio, na direção de onde o ruído vinha, e não ouvia barulho nenhum.

Tinha vários passeios já marcados para fazer. O primeiro era um dia inteiro por Carmópolis e Pirambú, programa para aproveitar as praias e comer camarão.  O desagradável era cruzar o rio e ficar esperando o guia, ou na volta ficar esperando barco para chegar ao hotel.

Tinha ainda o final da tarde livre.  Encarei a situação do transporte e fui para o centro da cidade, caminhando pela margem do rio até o Cais do Imperador.  Fui até as ruas de comércio e encontrei uma área de calçadões de pedestres muito jeitosa, simples e ordenada.  Terminei no centro de artesanato e cultura, onde um dia funcionou a Escola Normal.  Claro que sempre aparecem coisas bonitas para comprar e coisas gostosas para comer.  E ainda tinha um forró ao vivo.  Era tudo que eu precisava.  E junto da igreja ainda tinha mais uma feirinha.  Vamos lá!

Voltei ao ancoradouro de taxi, carregando meus pacotes, telefonei do orelhão debaixo do abrigo para chamar o barco.  Do outro lado peguei o ônibus e fui para meu quarto.  Tudo saindo certo, sem demorar, era meia hora de movimento para chegar ou sair.

No segundo dia estava marcada a visita da cidade, em especial seus mercados populares, uma festa de cheiros locais, muita comida boa.  E sempre preocupada em não atrasar nas saídas, acabava ficando plantada esperando transporte.

Nem voltei para o hotel.  Fiquei com a guia e o motorista, fiz um lanche num dos hotéis da praia.  Dali seguimos para encontrar outras pessoas para conhecer São Cristóvão, a cidade tombada que tinha sido capital do estado até 1855.

São Cristóvão foi fundada por em 1590 por determinação do rei Felipe II da Espanha, que também governava Portugal (lembra da União Ibérica entre 1580 e 1640?).  Entre as povoações brasileiras, é a quarta mais antiga a ser classificada como cidade.  Para os padrões atuais é bem pequena, mantendo com dificuldades visíveis o seu centro histórico, construído na época da riqueza com a cultura da cana-de-açúcar.  A situação era tão complicada que as freiras do Convento das Carmelitas tinham abandonado o local poucos dias antes por falta de apoio para a recuperação interna de seus alojamentos e da Igreja do Senhor do Passos.  Tinham se mudado para o Ceará.

Pç São Francisco S Crist

Na praça de São Francisco, ficam a igreja e o convento de mesmo nome, obras barrocas da velha capital São Cristóvão.

Carmelitas

Na praça do Carmo ficam o Convento das Carmelitas e a Igreja do Senhor dos Passos.  Abandonados fazia poucos dias.

Uma visita meio nostálgica pela decadência que a cidade vem sofrendo.

O lado engraçado, curioso, foi ver a saída do pessoal do colégio.  Todos na praça, cada um colocando seus livros no chão, arrumados, marcando seus lugares na fila do ônibus enquanto eles brincavam, namoravam, conversavam.  Pena que não fotografei.

No outro dia fui até a praia de Atalaia, onde se concentram hotéis e restaurantes.  Voltei pela orla caminhando, acompanhando parques de manguezais.

Para a tarde tinha o passeio a Laranjeiras.  E foi mais interessante do que eu pensei, um passeio agradável por uma cidade colorida e aconchegante.  Não sei se foi apenas impressão de turista, mas achei Laranjeiras em melhor situação que São Cristóvão.

Egreja Presbyteriana 1884

Em Laranjeiras, na fachada está escrito “Egreja Evangélica Presbyteriana”.  Em 1884, foi a primeira igreja não católica da província.

Laranjeiras

O casario baixo e o calçamento em pedras de Laranjeiras.

Na volta fui jantar num centro comercial novo da cidade.  Para voltar peguei um táxi que começou a dar voltas, passou duas vezes pelo mesmo lugar.  Esperei estar num local de mais movimento e interpelei o motorista.  Avisei que não ia pagar o que marcava o taxímetro porque ele estava me enganando.  Abri a porta, joguei um dinheiro no banco e saí para buscar outro transporte.  Ele não reclamou, só olhou assustado e saiu.  Fora apanhado de surpresa.

No dia da saída do hotel descobri de onde vinha o barulho noturno.  Com a maré da noite, rio e mar se encontrando formavam ondas pequenas e muito seguidas umas das outras.  No silêncio da noite, naquele hotel longe de tudo, o barulho parecia um motor.

Sempre tendo que sair com antecedência do hotel, fiquei esperando meu traslado para o aeroporto.  Lá no saguão, para alegrar a espera do embarque havia forró, afinal era mês de festas juninas, paixão daquela gente animada.

Voar de Aracaju a Maceió é quase perda de tempo nas esperas e deslocamentos, porque o voo é bem curto.  Cheguei em Maceió no meio da tarde, para um hotel com meia pensão, a uma quadra da praia.  De noite, fui conhecer o calçadão.

Meu primeiro dia por ali já tinha programa certo desde que contratei a viagem.  Um passeio de dia inteiro a Piaçabuçu com a foz do rio São Francisco.

Ali foram feitas várias filmagens externas de “Deus é Brasileiro”, e achei um lugar especial.  Era dia de feira, o que dá colorido a qualquer cidade pequena, diferente do que se vê nas cidades maiores.  E o passeio foi tudo o que eu imaginava.

Dá para pensar o que não foi a agitação daquela cidade pequena e de gente simples vendo tantos estranhos de uma só vez, fazendo aquele movimento todo e ainda por cima tendo ator de televisão circulando por lá.

Faz parte do passeio descer de barco até a foz do São Francisco.  É triste ouvir falar e ver de perto os estragos que estão destruindo um rio que devia ser quase sagrado.  É triste ver suas margens desabando, seu leito assoreado.

Piaçabuçu Matriz Ns Senhora

Praça da Igreja Matriz de Nossa Senhora, com seu coreto, o centro de Piaçabuçu.

Eu fiz coro com algumas pessoas do pequeno grupo que queriam ir a Penedo.  Íamos passar pela entrada da cidade sem visita-la.  Tanto insistimos que conseguimos, pagando um pouquinho mais para cobrir o combustível e fomos dar um passeio, mesmo que rápido, numa das cidades que mais enriqueceu com a cana de açúcar.  E valeu a pena.  Na Rocheira, um mirante especial sobre o rio São Francisco, onde ficavam os fortes de holandeses e portugueses que lutavam por aquelas terras no final do século XVI.  A barroca Igreja de Nossa Senhora das Correntes, antes capela privativa da família Lemos, que protegia escravos fugidos por dentro do altar.  Uma praça com o Oratório dos Condenados, onde os que iam morrer enforcados passavam a noite rezando.  Descobri neste dia que Tiradentes não foi o único enforcado no Brasil, no Nordeste foram vários, por diversos motivos, e isso a História não conta.

Penedo N S Correntes

 

Igreja de Nossa Senhora das Correntes, atualmente apenas museu sacro.

N S Correntes

Interior da igreja com ladrilhos policromados portugueses e madeira dourada.

 Maceió sem praias não é possível.  Um dia para a Praia do Gunga com seu imenso coqueiral e suas falésias coloridas.  Na volta, uma parada nas rendeiras, um trabalho que acho bonito mas não gosto para usar.  E nem pensar em trazer coisas para casa, ia ter reclamação.

Outro dia foi um city tour por Maceió e seguindo para Barra de São Miguel e Praia do Francês.  O dia começou com sol, mas já chovia na chegada à praia.  Valeu pelo almoço de frutos do mar.  Fiquei cismada com o passeio pela cidade, que se resumiu ao Mirante de São Gonçalo.

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As falésias coloridas na Praia do Gunga.

No meu dia sem programa marcado, resolvi ir até Marechal Deodoro, onde nasceu o proclamador da república.  Perdi a manhã de uma rodoviária para outra, recebendo todo tipo de informação errada sobre como chegar até lá.  Já era quase meio-dia quando consegui.

Casario Deodoro

Casario em Marechal Deodoro.  Ao fundo a lagoa de Manguaba.

MAdalena e S Francisco Deodoro

Igreja de Santa Maria Madalena e Convento de São Francisco, de 1653.  O convento é um museu, para onde foram levadas todas as peças da igreja.

O lugar é pequeno e está tentando entrar nos roteiros de turismo, recuperando antigos edifícios, criando centros de artesanato, melhorando o museu na antiga casa de Deodoro.  É uma cidade simpática, muito limpa e começando a ter um colorido agradável.

Na volta a Maceió, desci do ônibus no centro.  Entendi porque o turismo não passa por lá.  Não é que seja feio, é sujo e tem cheiros bem ruins.  Diferente do centro de Aracaju.

Tinha uma última manhã livre.  Fui ao mercado comprar uns feijões verdes que tinha visto.  Voltei correndo da chuva, que parou logo.  Fui até a praia de Pajuçara, onde a exploração das piscinas naturais foi tão intensa, arrancaram tantos pedaços de coral para vender, que eles quase desapareceram.

Almocei de frente para o mar, despedida dos camarões nordestinos especiais.

Das melhores lembranças ficaram o Paraíso do Talhado, o MAX, Piranhas e o centro de Aracaju.  Das lembranças tristes ficaram o descaso com São Cristóvão, os maus tratos ao rio São Francisco e o centro de Maceió.

2003 (abril) – Coelhos de chocolate

Fazia muitos anos que não ia ao Rio Grande do Sul.    Além disso, o calendário preparou uma artimanha de que junto do feriado da semana Santa ficariam os feriados de São Jorge e Tiradentes.  A época era boa, na Páscoa, cheia de chocolates na Serra Gaúcha.  Também andava querendo conhecer o Parque Nacional de Aparados da Serra.

♦  O roteiro: Roteiro quase padronizado nas agências de viagem.  Consegui que abrissem meu bilhete aéreo de maneira a ficar uns dias além do pacote para ir ao parque, mas não tinha esse passeio garantido, dependia de achar algo no turismo local.

Avião até Porto Alegre, ônibus para subir aquela serra bonita, infelizmente sem hortênsias em abril.  O hotel ficava meio afastado do centro mas era excelente.

Todos os passeios estavam incluídos: Mundo a Vapor, Lago Negro, passeio até Canela, Parque do Caracol e fábricas de chocolate, claro.

Talvez o mais original tenha sido o Mini Mundo, um parque delicado que começou como um brinquedo que o senhor Höppner fez para seus netos, reproduzindo atividades urbanas e rurais com características alemães.  A brincadeira foi crescendo e é um parque de miniaturas, algumas mecanizadas.

As ruas de Gramado e Canela estavam lindinhas, todas enfeitadas com coelhos bem coloridos para delírio da criançada.

Uma das visitas com sabor foi no Castelinho da Família Franzen, do início do século XX, onde comi o mais morninho e saboroso Apfelstrudel com creme batido.  E ainda levei outro para comer no hotel, pois podia aquecer no micro-ondas.

Mini mundo

Um hobby do avô que virou o Mini Mundo

Havia também as paradas para compras.  Uma delas foi em Igrejinha, numa fábrica de artigos de couro.  Foi espanto geral quando um casal baiano, que viajava pela primeira vez, comprou vários casacos sendo um com gola de pele de carneiro e botas de cano longo para ela.  Tomara que não sirvam apenas para dar motivo aos risinhos furtivos dos passageiros e sim para futuras viagens que eles façam.

Coelhos Mundo a Vapor

Os coelhos da Páscoa invadiram o trem que decora a entrada do “Mundo a Vapor”.

Houve opcionais.  Os que eu fiz foram o Museu do Automóvel e churrasco de domingo na fazenda em São Francisco de Paula.  Era Domingo de Páscoa e a cidade parecia dormir, ninguém na rua para se aquecer naquele sol meio frio.  Mas carne no sul do Brasil é assunto sério, só tem churrasco bom.  E espreguiçadeira depois. Chegando ao hotel, havia em cada quarto uma cesta de chocolates.  Aumentava a coleção e o peso a carregar.  Sem reclamar.

O Natal é a grande temporada da Serra Gaúcha.  E mesmo em tempo de coelhinho, estão lá a Aldeia de Papai Noel e a Casa de Mamãe Noel.  Fofurinhas para deleite infantil, mas que adulto gosta bastante.  Tudo muito bem cuidado.

O dia começou com uma parada em Nova Petrópolis, com seu labirinto de plantas para poder brincar de se perder.  E depois uma feira de roupas e malharia.  Comprei peças de muita qualidade e preços ótimos.  A parte dedicada à zona vinícola incluiu Garibaldi, Carlos Barbosa e Bento Gonçalves.   Também teve passeio de Maria Fumaça com música a bordo.  E comilança gaúcha, desta vez numa espécie de clube de campo.  A volta foi por Caxias do Sul apenas para ver a igreja com obras de Locatelli.

Logo na primeira noite em gramado descobri os restaurantes da Rua Coberta.  E quando não havia nenhuma proposta de café colonial, era para lá que eu ia, na certeza de encontrar coisas boas.

O dia livre em Gramado eu usei para caminhar pela cidade, comer bem (redundante nesta região) e desenrolar o passeio ao Parque Nacional de Aparados da Serra, que enfim foi confirmado para o dia seguinte, com meia dúzia de caminhantes.

Este parque nacional esteve fechado por muitos anos por falta de estrutura e segurança.  Foi reaberto fazia pouco tempo mas chamar uma guarita de entrada e um centro de visitantes sem nada a oferecer de estrutura de visitação é bem forçado.  Tínhamos sido avisados disto, e no caminho todos providenciaram água e algo para comer.  Por lá, nada disponível.

Uma novela de televisão mostrava paisagens do parque, e havia despertado alguma atenção para o problema, mas não o suficiente.

O nome do local é apropriado.  Parece mesmo que a serra foi aparada, cortaram todos os picos deixando todos os topos aplanados.  A caminhada é longa e completamente plana para conhecer seu ponto mais famoso, o cânion do Itaimbezinho.  A vegetação é dominada pelo pinheiro do Paraná ou araucária.  Muitas aves ouvidas e poucas se deixando ver.

Parna Aparedos da Serra

Caminhada acompanhando o cânion do Itaimbezinho no Parque Nacional de Aparados da Serra.  E o topo plano da montanha.

Nossos lanches foram comidos num pátio sombreado, sem nada para oferecer.  Depois houve mais uma caminhada para o lado oposto, para ver uma cascata onde andorinhas brincavam.

O parque vale a pena ser visitado.  Não sei que soluções ou percalços ele terá.  É bonito, é um bioma bem brasileiro.

Naquela noite fui jantar na cidade para me despedir da serra gaúcha.

Saí para Porto Alegre, onde ficaria por duas noites para rever a cidade.  Fui passear no Gasômetro e no Parque Farroupilha.  Fui conhecer a Casa de Cultura Mario Quintana, onde em meados do século XX funcionou o Hotel Majestic, a residência do poeta por uns quinze anos.  De repente caiu uma chuva forte, e fiquei por ali mesmo, matando o tempo numa sessão de cinema.  O que chamou atenção foi o preço baratíssimo, já que lá todos pagavam, sem descontos mediante carteirinhas.

Pç da Alfandega

Na praça da Alfândega, em Porto Alegre, atrapalhando a conversa entre Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade.

Nessa rápida passagem por Porto Alegre, aproveitei para rever uma companheira de trabalho que se mudara para Porto Alegre e almoçamos comida gaúcha, é claro.

Após duas noites por lá, saí cedo para embarcar de volta num voo pela manhã.  E como atrasou muito, deu tempo suficiente para pensar em como emagrecer os chocolates, churrascos e cafés coloniais dos últimos dias.

2001 (outubro) – De Paris para Pirapora

Tudo pronto, pago e confirmado para mais uma vez Marilza e eu viajarmos.  Tudo planejado para sairmos em meados de setembro até parte de outubro de 2001.  Mas ali o mundo deu uma parada e mudou.  De repente, tudo foi cancelado.  Tunísia, Paris e o que mais constasse.  Conseguimos reaver o dinheiro, o mundo todo fez isso.  Só a passagem aérea é que não.  Sem multas, deveríamos usá-la em até um ano.  Marilza desistiu de tudo; eu corri atrás de alguma coisa interessante aqui por perto.  Não sou de reclamar da viagem perdida; reclamo das férias desperdiçadas.  Desfruta-se o que for possível.  Hora de aproveitar.  Sem lamentação

♣  O roteiro: Troquei Paris pelo interior de Minas Gerais.  Era um roteiro experimental de uma agência bem conhecida.  Vi o anúncio no jornal, era perto de casa e lá fui eu ver como era.  Lugares nos vales dos rios São Francisco e Jequitinhonha onde nunca tinha ido.  E ia a Diamantina, que eu sempre quis conhecer.

Boa parte do grupo iria embarcar em Vassouras, mas só deu para uma olhadinha na praça e na fachada da igreja, visão tradicional de pequenas cidades brasileiras antigas.  Quase todos se conheciam, desta vez eu era a estranha no ninho, sem nenhum problema.

O primeiro pernoite foi em Sete Lagoas, um hotel de frente para o lago principal da cidade.  Eu já tinha estado na cidade a trabalho.

As novidades começaram no dia seguinte com a Gruta da Lapinha.  Da mesma forma que a Gruta de Maquiné, Lapinha também foi estudada por Peter Lund, um dos muitos europeus que em séculos passados vieram conhecer e explorar nossos ambientes naturais, fauna e flora.  A diferença entre estas duas grutas é que Lapinha tem ótima ventilação natural, tira aquele ar claustrofóbico e abafado que em geral as grutas têm.

Sempre de ônibus, chegamos a Pirapora, para ficar num hotel às margens do Velho Chico.  Foi uma mistura de sentimentos.  Havia um lado romântico naquilo, mas o mais evidente eram os problemas.  O rio já assoreado, maltratado, com seu volume de água reduzido por tanta irrigação, várias delas mal conduzidas.  Sua navegação antes tão importante agora era nada, seu codinome “Rio da Unidade Nacional” que aprendi na escola quando criança tinha jeito de nostalgia.

Ali estacionada, meio encalhada e com bastante ferrugem, estava uma das chamadas “gaiolas do São Francisco”.  O barco era o “Benjamim Guimarães”, antes imponente e frequentado pelos mais ricos da região.  Ele e o rio se solidarizavam nessa decadência lamentável.

Pirapora

O rio São Francisco e a última gaiola ainda existente.

O passeio de barco subiu o São Francisco até a confluência com o rio das Velhas, parando na Barra do Guacuí para caminhar até a Capela de Pedra onde foi o primeiro túmulo do bandeirante Fernão Dias, há anos recoberta por uma frondosa gameleira.  Pela trilha, passamos por várias mangueiras, daquelas que ninguém cuida, que a fruta amadurece e cai do pé.  Não resisti e enchi a mochila com as que caíram em lugar mais macio sem se amassar.  Queria trazê-las para meus pais.

Depois do almoço, não podia faltar uma visita aos artesanatos de carrancas.  Histórias e lendas interessantes.  Comprar mesmo, só as pequenas; nada que seja muito difícil de carregar.  Além disso, minha mãe detesta aquelas caras.

No dia seguinte fomos para Diamantina e adivinha qual foi minha primeira visita?  Fui procurar o Beco do Mota.  Não importa se um dia foi a zona de prostíbulos da cidade.  Na minha cabeça canta a voz de Milton Nascimento.  Pura emoção chegar lá.  Pequeno e até mixuruca, mas está eternizado.  Agradeço a Fernando Brant e ao Milton.

Beco do Mota

Diamantina é o Beco do Mota,

Minas é o Beco do Mota,

Brasil é o Beco do Mota,

Viva meu país.

A visita da cidade e arredores é um passeio pelo tempo de Xica da Silva e das minas de pedras preciosas.  Tudo de bom e mau que houve está ali.  Terra de Juscelino Kubistchek, o museu na sua antiga casa conta a história do médico até ser presidente.  No Mercado Municipal comprei uma leiteira e canequinhas esmaltadas coloridas, umas gracinhas que acho que só em Minas podem ser encontradas.  Naquela noite tinha jantar com seresta no hotel.

A caminho Xica da Silva

As ruas calçadas em pedras, as casas coloniais.  Diamantina merece o título da UNESCO.

Mais um dia pela zona das pedras preciosas, indo visitar a nascente do Rio Jequitinhonha e a cidade de Serro, conhecida na região pelos queijos.

No fim do dia, de volta a Diamantina, ninguém do grupo ficou na cidade para ouvir os sinos, que às dezoito horas tocam fazendo quase um concerto.  E é música mesmo.

Logo depois uma pequena seresta local passou tocando, sem muito brilho, só para ter uma ideia da importância que elas ainda têm naquela comunidade.  Aproveitei para jantar comidinha local, e nem precisa dizer que era delicia pura.

Dali começava o caminho da volta.  As mangas estavam fazendo bem a viagem, alternando a geladeira dos hotéis e a saída de ar condicionado no bagageiro interno do ônibus.

O almoço a caminho de Belo Horizonte foi num restaurante tipo fazenda.  Que comida boa, regalando meu paladar que é vinte e cinco por cento mineiro.

Já na capital, depois de tudo arrumado no hotel, fui para um centro comercial que tinham recomendado por causa das roupas boas e de bons preços.  Não comprei muita coisa, mas aproveitei a manicure, o jantar e o passeio.

O Parque do Caraça, com as ruínas do colégio de meninos da elite no início do século XX foi o início do último dia de visitas.  Meu avô materno era mineiro, não estudou lá, mas falava sempre desse colégio, sua disciplina muito além de rígida e conhecido pelo banho frio obrigatório ainda de madrugada.  Desse jeito, nenhum dos meninos ficou triste quando o colégio incendiou em 1968.  Acabaram-se as salas de aula, biblioteca, laboratórios.

Fora essa lembrança, o lugar é lindo, agora bem preservado e com uma visitação muito bem organizada.  Os lobos guarás frequentam o local de noite, mas durante o dia nenhum sinal deles.

Caraça jardins igreja

Escadarias da Igreja de N. Senhora Mãe dos Homens ainda existente no Parque do Caraça.

Durante a tarde passamos por três cidades do barroco mineiro, sem a fama de Ouro Preto e bem menores, mas todas charmosas.  Santa Bárbara, Catas Altas e Barão de Cocais preservam muito bem o que veio da época do ouro e diamantes.  Sem visitação intensa, talvez seja até mais fácil preservar.

Novamente lembrei do meu avô, pois seu avô paterno foi barão do café no sul de Minas Gerais, com o título de Barão de Catas Altas.  Eu me sentia na nobreza.

Catas Altas

A nobreza da singela e miúda Catas Altas.

A última etapa foi em Belo Horizonte.  Já não tinha mais contato com pessoas que um dia conheci na cidade.  Fui de taxi a um shopping para passear, ver (e comprar) roupas de fábricas mineiras e jantar.

Na manhã da volta, tivemos um tempo para ir à feira de artesanato, que era muito boa e variada.  Comprei mais algumas roupas (um espanto de tantas compras no meu caso) e um cestinho para facilitar o transporte final das mangas.

A volta teve visita a outro grande patrimônio, as capelas e figuras do Aleijadinho em Congonhas do Campo.  Como aquilo é bonito!  Pela primeira vez eu tive tempo de ver capela por capela, a igreja, os profetas.  Tudo com calma.

Congonhas

Congonhas: as montanhas de Minas, as ruas de pedras, a obra de Aleijadinho.

O almoço foi nos arredores de Barbacena.

Grande parte do grupo desembarcou em Vassouras, e duas pessoas na entrada de Petrópolis, onde a família as esperava.  Ninguém reparou na etiqueta de identificação.  Logo depois toca o telefone do guia.  A mala que elas levaram era a minha.  Voltamos para desfazer a troca.

Chegamos ao Rio de Janeiro já de noite, desembarcando no aeroporto do centro da cidade para ter aceso aos táxis.  As mangas chegaram em ótimo estado e melhor sabor.  Eu apenas fui chamada de maluca por trazer tanto peso de tão longe.

Não fui a Paris.  Fui a Pirapora, Diamantina e Catas Altas.  Conheci lugares deliciosos, como é deliciosa a comida mineira.  Se não fosse desta forma meio improvisada talvez eu nunca tivesse ido a esses locais.  O roteiro era experimental e ficou por isso mesmo, nunca vi seu lançamento.  O passeio de uma semana foi mesmo oportunidade única.

2000 (junho) – Brincando com água

Sem a rigidez dos períodos escolares, no meu trabalho podia-se dividir as férias.  Era comum e conveniente, já que éramos poucos.

 

♠  O roteiro: Um dia de viagem para chegar a Bonito, via São Paulo e Campo Grande.  Depois eram três dias para brincar com água até enrugar a pele dos dedos.  Rápido e divertido.

 

Chegar a Bonito precisou um dia de viagem.  Do Rio de Janeiro para São Paulo, conexão para Campo Grande.  Desembarque e mais umas horinhas de rodovia, que naquele ano de 2000 estava recém-inaugurada.  O motorista contou que o asfalto novo aumentou os acidentes, o pessoal andava pisando fundo no acelerador.  Felizmente não vimos nada.

A pousada era simples, mas de gente ultra simpática.  O café da manhã com pão fresquinho preparava para um dia de aventuras.

Passeios básicos estavam incluídos, como a visita ao Balneário Municipal, Gruta Azul e passeio de bote no rio Formoso, um micro rafting para alegrar o dia.  A Gruta Azul é o grande charme.  Ninguém pode descer até o fundo, muito menos mergulhar.  É contemplar aquilo que a Natureza preparou para nossos olhos.

Na pousada éramos umas 3 ou 4 mulheres viajando sozinhas e decidimos fazer os passeios opcionais o mais possível em conjunto.  Assim, foram escolhidos a flutuação no rio Sucuri, o passeio pela Estância Mimosa para banho de cachoeira no rio Mimoso e lanche na cozinha.  Para o último dia ficou a Fazenda Água Viva com poços para mergulho, caminhadas e muita comida regional gostosa.  É preciso mesmo muito mergulho e muita trilha para compensar a comilança.

A flutuação é um grande divertimento.  Roupa de neoprene, máscara e respirador.  Jogue-se no rio, largue o corpo e se deixe levar pela correnteza olhando os peixes abaixo de você.  Não nade, flutue.  Relaxe que a hora e os metros rio abaixo passaram e nem deu para perceber

No fim do dia, duas coisas eram difíceis.  Uma era ter estômago para jantar depois de passar horas na beira de uma mesa cheia de delícias.  A outra era domesticar o cabelo, essa considerada missão impossível.

Rio Sucuri em Bonito

Flutuação, flora e fauna no rio Sucuri

A água de todos os rios tem muito calcário, que nos mergulhos e flutuações vai aderindo ao cabelo.  Na volta para a pousada, toma-se banho com a mesma água, e não há xampu nem condicionador que dê jeito.  Descobrimos isso logo, adotamos os elásticos para prender os cabelos mais longos e abandonamos a hipótese de perder tempo cuidando deles.  Seria mesmo inútil.  A situação poderia ser descrita como uma peruca “impenteável”.  Desde então aviso esse detalhe cosmético a todas as pessoas que vão para lá.  Melhor já deixar um cabeleireiro agendado para a volta.

Na última manhã não haveria tempo para outra fazenda.  Entramos num acordo, saindo um pouco mais cedo de Bonito e dando um passeio por Campo Grande.  Fazia muitos anos, desde 1984, que eu estivera por lá.  Agora era uma cidade ensolarada, com suas vantagens e problemas, um parque enorme e bem cuidado, shopping cheio de cinemas modernos.  Suas ruas mantinham a limpeza e graça de cidade menor.

No aeroporto, um enorme tuiuiú, símbolo do Pantanal, dando olá ou até breve a quem passasse por ali.  Agradeci a ele os dias divertidos e o cabelo duro.