2007 (março e abril) – Além de Sossusvlei

África, sempre África.  Na viagem anterior para lá, vi pela janela do avião uma praia de areia quase vermelha; eu decidi conhecer o litoral do oceano Atlântico na Namíbia.  Tinha pouquíssimas informações sobre o país, mas sabia que a operadora dos meus safaria no Botswana fazia trajetos por terra ou montava o esquema de “camps”.  Achei mais interessante um dos roteiros com deslocamentos em jipes conhecendo vilas e o território.  Entrei em contato por telefone com o representante deles no Brasil e começou o suspense.  Ninguém se inscrevia, e eles exigiam pelo menos dois passageiros.   O plano alternativo, aquele de ir de um acampamento a outro, que não depende de número de passageiros mas é mais caro.  Afinal consegui, entraram mais cinco pessoas.

♥  O roteiro: Seriam três semanas.  Ficaria uns dias na Cidade do Cabo.  De lá diretamente para Windhoek, onde começava a aventura cruzando uma parte do Deserto do Kalahari, que abrange vários países.  Mas eu ficaria apenas na Namíbia fazendo um roteiro chamado “Great Namibia Journey”.  Ao final, precisava retornar a Johanesburgo apenas para dormir e no dia seguinte bem cedo pegar o avião para o Brasil.

 

A viagem começou antes do dia da partida.  Lembrando das roupinhas que Marilza e eu levamos para Laos e Camboja, pedi à agência daqui que perguntasse o que poderia levar para dar por lá na Namíbia.  Recomendaram cadernos e lápis.  Fui a uma papelaria atacadista e comprei os pacotes.  Pesados.  Minha chefe na época soube da ideia e achou que só cabeça de ex-professor iria se satisfazer com isso.  Eram crianças, tinha que levar algo para se divertirem.  E queria participar.  De repente a coisa cresceu e tinha umas tantas pessoas já se envolvendo.  Eu e uma engenheira fomos dispensadas de trabalhar numa manhã para irmos às lojas de comércio popular comprar brinquedos.  Não podiam ser coisas nem muito grandes nem muito pesadas.  Achamos bichos de pelúcia, bolas fosforescentes de silicone e mais algumas coisas.  Arrumei tudo numa mochila antiga e meti na mala.  Sabia que no período de jipe através da Namíbia não poderia carregar muito peso na bagagem.  Por causa dos cadernos, não estava nada leve.  Quando chegasse lá ia ver como fazer.

Em Johanesburgo imaginava que alguém fosse me esperar para ajudar na conexão, ainda mais com a confusão que o aeroporto estava em virtude das obras para a Copa do Mundo de Futebol.  Procurei por algum papel com meu nome, rodei o saguão e nada.  Resolvi encarar os andaimes.  Meu embarque era no segundo piso, o elevador não estava instalado e a rampa estava bloqueada.  Vi que todos subiam com os carrinhos pela escada rolante, o que é bem complicado.  Consegui fazer o malabarismo e segui em frente.

Na chegada a Cape Town estava lá o meu transporte.

No hotel recebi um fax com meus vouchers locais, já que tinha havido desencontro em Johanesburgo.  E estavam todos errados, marcando passeios para dias que nem mais estaria na cidade.  Além de traslado de saída depois da hora de partida do avião.  Os recepcionistas foram gentilíssimos, se prontificando a tentar resolver tudo para mim e me oferecendo o escritório para que eu mandasse um e-mail para o Brasil.  Minutos depois chegou a resposta da agência brasileira de que eles entrariam em contato com a agência africana para acertar tudo.

Fui matar as saudades do Victoria and Albert Waterfront, o velho porto transformado em agradável área de lazer e gastronomia.  O Rio de Janeiro não tinha ainda conseguido destravar essas renovações, dava inveja deles.

A Cidade do Cabo bem que parece o Rio de Janeiro.  É a mistura de mar com montanha.

Depois de uma noite de vento muito forte, tinha a visita da Montanha da Mesa, e a subida é de teleférico.  Não tinha certeza se chegaria lá em cima.

AS2 No alto da M da Mesa

No alto da Montanha da Mesa.

Talvez por causa da ventania, os macacos e os dassies (parece um porquinho-da-Índia mas na escala zoológica é mais próximo dos elefantes) não apareceram.  A vista sempre linda.  O restante do passeio foi fraquinho.

AS1 M da Mesa

No antigo Jardim da Companhia, tendo ao fundo a Montanha da Mesa.

Usei a tarde para visitar o Forte Orange e outros locais acessíveis a pé.  Cape Town é bem diferente de Johanesburgo, sem problemas com estrangeiros e muita gente nas ruas.  O transporte público não dá para encarar, é confuso.

Repeti programas conhecidos como o Cabo da Boa Esperança, e quase perdi o passeio por causa da confusão dos vouchers.  Reconheci o logotipo no uniforme e fui falar com o guia.  Meu nome não constava na lista do dia mas foi fácil resolver, havia lugar no transporte.  O contato feito entre agências não tinha valido de nada.

AS5 Ilha Duiker Hout BAy

Em Hout Bay, visitando de barco a colônia de focas da ilha Duiker.

Seria uma pena ter perdido pois incluía a colônia de focas de Hout Bay, o Mercado de artesanato e Jardim Botânico de Kirstenbosch.

AS4 Kirstenbosch

Jardim Botânico de Kirstenbosch.

A etapa final era no Parque Nacional com o Cabo da Boa Esperança, que ainda leva a fama de ser o ponto mais ao sul do continente africano e dividir o oceano Atlântico do Índico.  Geograficamente eles explicam que não é mas vale a tradição e a vista que se tem.

AS6 Cabo Boa Esp

Subindo ao farol do Cabo da Boa Esperança.

Outro passeio de belas paisagens foi às vinícolas de Stellenbosch.  E para completar, um almoço debaixo das árvores.  Mas não me sentia bem, e a indisposição iria se repetir até eu desconfiar da sua causa.

AS3 Thelema

Vinícola em Stelenbosch com suas roseiras para indicar eventuais pragas no cultivo.

No sábado sem programação fui parar num centro comercial novo nos arredores da cidade.  Havia ônibus que passavam nos hotéis.  Cercado de lagos, moderno, bonito, bom de comer por lá.  Comprei um prendedor de cabelo com contas de madeira, difícil de explicar como ele prende, é bem original e talvez o mais bonito que eu já tenha tido.  Quando voltei à noite, os arredores fervilhavam com o festival de Jazz no Centro de Convenções de Cape Town, bem em frente ao meu hotel.

Meu voo para Windhoek, capital da Namíbia, saía cedo.  Ainda estava escuro quando meu transporte me levou até a entrada do aeroporto, uma abertura no tapume.  O motorista apenas parou e indicou com o dedo a direção que eu deveria seguir.  Fui caminhando pelo canteiro de obras, arrastando malas.    Lá dentro estava tudo quase pronto, sem problemas.

Quando marquei essa viagem, a maioria das pessoas não sabia sequer localizar o país.  Então é melhor começar explicando o que aprendi lendo e conversando sobre a Namíbia.

N1 postal

Meu postal para localizar a Namíbia.

É um país jovem, no sudoeste africano, ao sul de Angola.  Sua costa era conhecida desde os navegadores portugueses do final do século XV, mas a neblina densa, ventos fortes, litoral rochoso e correntezas desencorajavam a aproximação.  Somente no século XVIII chegaram holandeses, alemães e ingleses.  Em 1884 o governo do chanceler alemão Otto von Bismarck declarou o Sudoeste Africano como um Protetorado.  No início do século XX houve disputa de terras com os nativos Nama e Herero, que acabaram expulsos para o deserto sofrendo grandes perdas de população.

Após a Primeira Guerra Mundial, o Império Britânico começou a invadir terras do Protetorado.  Com a Alemanha novamente derrotada numa Segunda Guerra, a invasão das terras se concretizou, foi considerada uma província da África do Sul britânica e foi imposto o mesmo regime de apartheid.  Nesta ocasião a Liga das Nações (o início da ONU) tentou intervir determinando uma gestão internacional dos territórios.

Apena em 1966 inicia-se um movimento clandestino de libertação, o SWAPO (South West African People’s Organization).  No mesmo ano a ONU emite uma resolução definindo a existência do novo país, cujo nome reporta à vegetação nativa local.  Uma corte internacional de justiça ratifica a decisão em 1971.

Porém em 1973 os sul-africanos intensificam a ocupação da região.  Em 1988 a situação quase se complicou quando tropas cubanas sediadas em Angola invadiram a área.  Logo depois se retiraram.  Até hoje há uma parte da população que responsabiliza Angola por ter atrasado sua primeira eleição e consolidação da independência.

A primeira eleição aconteceu em 1989, levando o SWAPO ao governo.  A Constituição é de 1990.  O regime político é pluripartidário, o legislativo é bicameral e a data nacional é o dia 21 de março.  A moeda é o dólar da Namíbia, onde estão representados a fauna e os povos nativos, tendo seu valor equivalente ao rand sul-africano.  Seu primeiro presidente foi Sam Nujoma, reeleito por outros dois períodos até 2004 quando se afastou da política.  É considerado um dos grandes homens da formação da nova pátria e seu nome aparece em ruas por todo o país.

O norte é área de altos índices de AIDS e em 2006 superou um surto de poliomielite.  O turismo é fonte importante de renda.

O marido de uma conhecida minha é oficial de marinha e um dia comentou que o Brasil, por ser um país que nunca demonstrou ser colonialista nem desenvolver qualquer política de ocupação de terras vizinhas, foi escolhido para formar seus os primeiros oficiais de marinha.  Tempos depois vi isto num documentário na televisão.

Minha primeira impressão da Namíbia foi a qualidade da estrada até a capital Windhoek (pronuncia-se algo como vindúc). Nenhuma autopista de velocidade máxima, mas bem asfaltada, muito sinalizada e numa paisagem bonita.  Fiquei hospedada no Hotel Villa Verdi.

Quando marquei a viagem, pedi que a agência providenciasse uma visita da cidade.  Não teria muitos atrativos, o que não diminui a surpresa.  Uma cidade simples mas bem moderna.

N2 centro Windhoek

No centro de Windhoek.

Eles se orgulham de sua única linha ferroviária entre as duas maiores cidades ser considerada entre as que oferecem melhores panoramas, começando pela estação que é uma delicadeza.

N3 ferroviária

A elegante estação da ferrovia que liga Windhoek a Swakopmund.

O guia me levou a um local de reunião dos moradores da comunidade, o mercado de Katutura, uma espécie de galpão aberto onde já se preparava um tipo de churrasco para quem fosse se chegando no final do dia de trabalho.  Gente do maior sorriso e simplicidade.  As casas foram construídas durante o período de ocupação sul-africano para excluir do centro a população negra.  Com a nova situação, ao invés de demolirem tudo, usaram o investimento para melhorar as condições de urbanização e serviços públicos.  É um bairro simples, mas bem legal.

N4 Katutura

Katutura.

Quando voltei ao hotel tinha um recado de que o guia iria se encontrar comigo um pouco mais tarde.  E lá estava eu esperando.  Não tive a menor simpatia por Festus, um homem bem alto da etnia Herero (só fui saber sua etnia depois) cheio de ordens e instruções.  Foi logo dizendo que a bagagem deveria ser mínima e que já estava sabendo do depósito de minha mala na agência durante os dias rodando o país que seria devolvida a mim no aeroporto no dia da saída.  Lembrei da mochila pesada, não podia abandonar e resolvi enfrentar.  Contei o que levava, como estava arrumado e o peso que tinha.  Sem um sorriso, ele apenas declarou que eu levasse a mochila até o jipe no dia seguinte e que a partir dali ela seria responsabilidade dele, já que eu trazia presentes para sua gente e ele me ajudaria no que eu precisasse.  Torcia para minha má impressão estar errada.

Jantei ali mesmo no hotel, carne de elande, que é o gado que eles criam.

No dia seguinte, tudo pronto.  Enquanto esperava, fui avisada que haveria atraso na partida.  Quando enfim nos reunimos, soube que uma das passageiras ficara sem bagagem.  Precisaram fazer a ocorrência no aeroporto e por isso houve o atraso.  Enfim, éramos os seis viajantes percorrendo a Namíbia durante onze dias por estradas e em aviões.  Três americanos, um casal inglês em lua-de-mel e eu.  Nosso transporte seria um jipe Land Rover Defender com geladeira a bordo.  Tudo mantido por um poderoso motor a diesel.

N5 da capital para o sudoeste

Saindo da capital para o sudoeste do país.

Neste primeiro dia não haveria almoço, não havia pontos de apoio no caminho.  Cada um recebeu sua caixa com comida e descobriu um cantinho para comer.  De não sei onde apareceram uns meninos, a quem demos tudo aquilo que não queríamos.  A alegria deles só dava mais tristeza.

Depois disso, o melhor foi ver alguns “conjuntos residenciais” de tecelões, um pássaro que vive e constrói em grupos.

N7 Ninho comunitário

Ninho comunitário.

A temporada de chuvas atrasou naquele ano e paramos para ver a floração das plantas.

N6 Margarida do deserto

Margarida do deserto entre plantas de folhas duras para resistir ao período seco.

No fim da tarde chegamos ao acampamento de Kulala, na região do Sossusvlei.  E eu adoro esse tipo de alojamento chamado de acampamento fixo.  Ali está o encontro de todo o conforto com as coisas mais simples.  Boa comida, gente risonha.  Tudo procurando ser o mais autossustentável possível.  Água de poços profundos porque não há chuvas nem lagos.  Energia elétrica captada por painéis solares.  Ar limpo, noite com quantas estrelas se conseguir contar.

O despertar foi muito cedo.  O grande detalhe é chegar às majestosas dunas de Sossusvlei ainda escuro e acompanhar suas mudanças conforme a luz cresce.

E num rápido trajeto de jipe, cheguei em frente a um cartão postal.  A duna principal era simplesmente estupenda.

N9 Sossusvlei

Estava diante de uma imagem emblemática da Namíbia: a duna enorme, avermelhada, sinuosa em Sossusvlei.

Confessando minha preguiça e pouca aptidão para caminhar sobre areia, subi apenas uma duna.  Fiquei por ali, olhando as sombras e as cores enquanto meus companheiros iam se distanciando.  Ao fim de um certo tempo, deitei na areia e contemplei o mundo a partir dali.  O barulho era da areia soprada pelo vento e insetos voando, era um mundo tranquilo.  Trouxe um pouquinho daquela areia, mas não há sol que lhe devolva a cor local.

N8 Sossusvlei

Momento inesquecível para desfrutar.

Naquela mesma tarde, saímos para explorar a área de Kulala.  Mas as dunas não tinham mais a mesma cor.

O esquema lembrava bastante o de Botswana.  Acordar cedo para aproveitar o movimento da fauna pela manhã e a luz do sol.  No meio da manhã, um lanchinho.  Voltar ao acampamento para almoço, descansando para fugir do calor do sol a pino.  Sucos e frutas antes do passeio da tarde, onde sempre acontece uma parada para brindar ao fim de mais um dia.  Conversa com aperitivos e jantar.  Havia um pouco mais de liberdade para circular na área do acampamento, já que a fauna não apresentava riscos.

Saímos de Kulala rumando para pontos mais ao norte.  Nossos dias seriam de alternância entre acampamentos e cidades.  E de Kulala seguimos por estrada asfaltada até Walvis Bay.

O guia Festus já não parecia tão antipático.

Fizemos uma parada numa vila chamada Solitaire.  Ali consegui um cartão telefônico (esqueci de comprar na capital e telefonia móvel não seria suficiente).

N10 Solitaire

Fazendo pose para telefonar na cidadezinha.

Uma chamada ótima, sem ruídos nem interferências.  Guardei o cartão como lembrança.

Num certo ponto do caminho, nada mais que uma lombada da estrada, o guia avisou que o clima ia mudar.  E de repente havia vento e a temperatura era bem mais baixa, um mistério.  Na cidade, almoçamos num restaurante à beira mar, apreciando a rapaziada praticando “kite surf”.  Vento não faltava.

O pernoite foi em Swakopmund, palavra vinda do alemão que significa a boca ou foz do Swakop, o rio local.  Ficamos no Hotel Eberwein, antigo Villa Wille, um edifício antigo e charmoso, com jeito europeu bem simpático.  Fui passear pela cidade e acabei encontrando um mercado de artesanato onde comprei bijuterias de ossos de bois.

N11 Swak Av Sam Nujoma

A avenida Sam Nujoma em Swakopmund.  Presença clara da arquitetura alemã.

Tudo por ali era caminhando.  Já no fim da tarde, lojas fechando, consegui uma camiseta com fauna local, daquelas que a gente só usa em ocasiões especiais de tão querida que é.

N12 Swak comercio

Já na hora de fechar as lojas, no calçadão do comércio turístico.

Ainda descobri uma igreja luterana com todo o jeito da arquitetura alemã.  Entrei e fui muito bem recebida pela senhora que arrumava lá dentro, um lugar simples e claro.  Uma rápida conversa e um sorriso de despedida.

Fazia frio e tinha mesmo que voltar ao hotel para jantar, num restaurante bem perto de onde tinha o tal mercado.  Lembro que a comida estava especialmente gostosa.

O dia seria para nosso primeiro contato com a costa da Namíbia, vendo seus barcos de pesca e sua indústria local.  Passando pela mesma estrada da véspera, diminuímos a velocidade para ver o condomínio de casas de gente famosa, como Angelina Jolie.

Nosso barco saiu de Walvis Bay e vimos muitas aves marinhas e um peixe estranho, chamado localmente de molamola, um tipo de peixe lua.  A parte divertida ficou por conta da foca Sally, que se acostumou a acompanhar as lanchas em busca de algum peixe; ela tem seu jeitinho de se apoiar na traseira do barco, que segue bem lento.  Nunca foi adestrada, ela descobriu a oportunidade.  Mais sociável e folgado é o Robbie que entra nos barcos para pedir peixes.

N13 Robbie

O interesseiro Robbie.

Desembarcamos em local diferente da partida e a praia tinha areia formada por pedacinhos de granada, uma pedra semipreciosa de cor vermelho bem escuro, um grená.  Não tinha sol e imaginei que com multa luz o lugar ficaria uma pista de cores.  Não estava previsto parar ali mas eu pedi tanto que o guia local parou.

N14 Praia com granadas

Praia com areia formada por pedacinhos de granada.

Tivemos piquenique entre as dunas de Sandwich Harbour (mas que não tem nenhum porto), com direito a bandos de pelicanos sobrevoando o lugar.

N15 Pelicanos

Pelicanos perto de um ponto de água.

Voltamos de carro com tração passando por cima da trilha nas dunas.  O jantar foi no Hotel Hansa, o mais antigo da cidade.

Era época da Páscoa.  A mesa central do café da manhã representava dois mundos reunidos: num galho seco de acácia com todos os seus espinhos, várias cascas de ovos pintadas bem ao estilo da Páscoa alemã.   Pedi para tirar uma foto e uma das responsáveis pelo hotel fez questão de tirá-la para mim.

N16 Páscoa

Decoração de Páscoa: galho de acácia africana e seus espinhos grandões enfeitado com ovos pintados da tradição alemã.

Ainda vimos alguns lugares na cidade, como o alojamento para os que foram comandar a construção da ferrovia e alguns prédios de uso governamental.  Como estávamos no litoral, a neblina pela manhã era densa.

N17 prédios 1907

Ao fundo, edifícios construídos em 1907, agora usados pelo governo local.

Continuamos na direção nordeste do país e no trajeto avista-se a Brandberg Mountain, destacado pelo guia como sendo o segundo maior monólito na Terra.  Não vi nada de especial.

Acho que foi nesse dia que passei bem mal, não tenho certeza.  Era um mal estar já vinha desde os passeios na África do Sul.  Estava usando cloro em gotas na água que escovava os dentes e lavava o rosto, cuidado exagerado.  Aquilo acabou me complicando o aparelho digestivo e tive uma grave disenteria.  Não sei como desconfiei do cloro; parei de usar e não tive mais nada.  Muito tempo depois andaram recomendando por aqui que frutas e verduras fossem lavadas com água clorada e voltei a ter o mesmo problema.  Cloro não me faz bem, melhor é esquecer dele.

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O eficiente Festus (nada da antipatia inicial) e nosso jipe Defender.

Festus se mostrava bem diferente da minha primeira impressão ruim.  Competente, profundo conhecedor dos caminhos e gentes; era bem simpático.  Estava disposto a encontrar elefantes do deserto, bem raros e arredios.

Entrou por uma fazendola onde perguntou se ali tinham visto algum deles, e disseram que desde que tinham quebrado a cerca semanas antes, não tinham voltado.  Já de partida, eu lembrei da mochila e só falava “toys, toys, toys”.  Ele entendeu e deu meia volta. Mergulhei as mãos na mochila e entreguei dois bichos de pelúcia às duas crianças que viviam ali.  Eles encantados e a família agradecida por tão pouco fazer duas carinhas sorridentes.

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Brincando com os bichinhos de pelúcia na fazendola por onde às vezes circulam elefantes do deserto.

E chegamos a Damaraland Camp.  O nome me faz lembrar das zebras de Damara, aquelas que têm uma fina listra castanha no pelo branco entre duas listras negras.

Ali ficamos só uma noite.  Todo um projeto sustentável de energia elétrica e aquecimento de água nas cabanas.

N19 Damaraland camp

Damaraland camp e suas instalações sustentáveis.

Saímos cedo para o sítio arqueológico de Twyfelfontein.  No caminho, no meio de um ambiente rochoso, enfim apareceram os primeiros órix, o animal símbolo do país.

N20a

Órix ou gazela do deserto.

Nesta região, antigas comunidades de bosquímanos (bushmen) deixaram gravações de animais nas pedras.  Os traços são fáceis de serem reconhecidos.  Subindo pelas trilhas, escorreguei e fiz um bom estrago no joelho.  Fazia tempo que eu não levava um tombo em viagem.

N20 Twyfelfontein

Gravações dos antigos bosquímanos.

Ali foi uma fazenda de colonos da família Levin até 1964, quando foram retirados e o lugar ocupado por sul-africanos.  O propósito era colocar outras famílias, gente deles, durante a implantação do regime de apartheid.

Estávamos em terras de rios temporários, na época da seca.  A paisagem era dura, mas de uma beleza perfeita.

N21 eio seco de dolomita

No leito seco do rio cercado de estacas de dolomita.

Para continuar, a estrada não era nada além do que o leito seco do rio temporário de Huab.  O alojamento em Palmwag Rhino Camp era especialmente planejado para buscar os raros rinocerontes pretos.  A área é privada, uma enormidade com um milhão de acres, e é uma reserva da espécie que exige grande espaços territoriais.

Incrível como em todos estes lugares longe de tudo eles fazem umas comidas gostosas, variadas e suaves.  Não importa quem administra o campo, a cozinha para mim é deliciosa.

Na manhã seguinte saímos com guardas armados.  Com rinocerontes a coisa pode complicar.  Mas para mim, de joelhos estropiados e sempre desajeitada em terrenos difíceis, o problema foi descer uma encosta de pedras soltas que iam até o leito seco de um rio e subir pelo outro lado.  Eu quase entrei em pânico e só fui porque o guia me arrastou.  Eu não era a única, a moça da Califórnia também tinha dificuldades.

Quando indicaram onde estava a fêmea e seu filhote, eu não vi mais do que um ponto escuro lá bem lá longe.  Acreditei sem ter certeza de que eram rinocerontes, apesar de meu binóculo ser antigo mas muito bom.

N22 Tina e Tensie

No centro da foto, mamãe Tina deitada com seu filhote Tensie.  Foto bastante ampliada.

Para a volta eu e a americana fizemos um caminho mais suave, mais baixo e com inclinação menos acentuada, por onde o jipe podia nos pegar sem sofrermos muito.  Ou seja, não precisávamos ter descido por um caminho tão ruim e íngreme.

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Os buscadores de rinocerontes.  Impressionante a facilidade com que sobem e descem as encostas pedregosas.

O almoço foi ao ar livre, naquele terreno pedregoso, avermelhado, quase agressivo.  Só que ele é bonito, muito bonito.  E os guardas armados foram embora, caminhando saltitantes por aquelas rochas soltas com a facilidade dos anos de convivência.

De tarde fomos conhecer uma campo natural onde cresce a rara Welwitschia, a planta nacional do país. Só tem duas folhas, de crescimento contínuo e que vão desfiando.  Anualmente florescem, uma flor no centro da planta.

N24 Welwitschia

Uma welvitschia, a planta nacional.

E vimos chuva, rosada pela luz do sol de fim do dia.  Logo a nuvem se desfez e foi mais um belo pôr do sol com vinho e salgadinhos.

N25 Palmwag fim de dia

Pôr do sol depois da chuva.

O destino seguinte era Ongava, uma região de savana com considerável quantidade de água disponível, o que aumenta a densidade de flora e fauna.

N26 zebras da namibia

O macho do grupo de zebras à direita, atento ao seu redor.

No Ongava Tented Camp, em frente da varanda, fizeram uma pequena escavação para criar um bebedouro e a bicharada se acostumou a ir, sem medo, sem ninguém molestar.  E eles passavam como num filme, permitindo fotos de uma distância segura para todos.  Eu cada vez ficava mais encantada, se é que isso era possível.

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Na varanda do acampamento, uma foto com os animais perto do tanque de água.

Fizemos um safári à tarde e como sempre foi bonito.  E já voltávamos para o acampamento quando o guia freou e desligou o motor.  Estava ali, bem ao lado da trilha, um belo macho de rinoceronte branco.   E ele nem se incomodou conosco.

N29 rino branco macho

Um raro rinoceronte branco (que não tem nada de branco!).

Na etapa seguinte íamos a um dos destinos mais importantes, o Parque Nacional de Etosha, que muita gente compara com o Parque Kruger.  Para mim são diferentes.

Em Etosha é comum usarem o manejo de animais através de manobras de água.  São tanques naturais ou às vezes artificiais, abastecidos regularmente com água e que por isso concentram animais.  Se há uma superpopulação ou algum motivo para moverem os grupos, passam a abastecer outros bebedouros e com isso os animais se deslocam.  O único problema é que animais cavadores volta e meia destroem trechos da canalização subterrânea.

N33 zebra gnu springbock

Onde tem água a fauna se reúne.  Aqui são zebras, gnus e gazelas.

A parte do parque que visitamos não tinha muitas árvores, era mais vegetação rasteira.  Eram centenas de metros de visão empoeirada de fauna tranquila.  Sempre buscando novidades, o guia acabou encontrando uma manada de elefantes, com sua matriarca, filhotes e suas mães.  Não dá para descrever como é emocionante.  É fácil distinguir a matriarca, ela se destaca e parece sempre atenta.  As outras fêmeas se ajudam com os filhotes, e estes sempre se divertem e brincam.  Ali havia água para se refrescarem.

N30 elefantes

Elefantes!!!!

De repente, momento de suspense.  Surge um macho, grandão, solitário como todos.  Se aproxima do grupo quase reverente com a grande chefe, passa tranquilo pelos filhotes, tenta localizar alguma fêmea no cio.  Não encontrou nada, bebeu um pouco de água e como chegou, saiu.  Cenas magníficas.

N31 17 elefantes e o macho

Ao fundo, vem se aproximando um macho adulto.

Etosha é bem plano nessa área perto de Ongava.  A vista alcança a bicharada até bem longe e os grupos de diferentes espécies se misturam.

N32 gnu az zebra impala cara preta

Impalas e zebras.

Na saída fiz questão de registrar minha presença ali junto do portão do parque.  Quem me conhece sabe que eu estava aos pulos de alegria.

O incômodo deste dia, e que não era pela primeira vez, coube ao americano.  Uma pessoa hiperativa e sem noção de estar sendo desagradável.  Enquanto todos nós nos mexíamos dentro do jipe com cuidado e silêncio, ele falava alto e nos atropelava pulando pelos bancos.  Chegou a pisar no rapaz inglês e machucar sua perna.  Empurrava para fora do campo de visão prejudicando aquele enquadramento que todos queriam mas só ele se permitia.  Até a câmera dele tinha uma espécie de sininho que tocava a cada vez que tirava uma foto.  Neste dia ele passava de um banco para outro, pulando o encosto sem um mínimo de educação.  As pessoas se entreolhavam e encaravam a mulher dele, que mantinha um sorriso entre a omissão e a patetice.

N34 Etosha

Num dos portões de Etosha.

Almoço e descanso no acampamento; depois o safári de tarde.  Já voltando depois do brinde ao fim do dia, ali estavam duas raridades cruzando uma estrada que devia ser só deles – uma rinoceronte branca e seu filhote.  Ficamos ali olhando o quanto quisemos, até eles mudarem o rumo, saírem da estrada e se embrenharem no bosque.  Não é uma reclamação, é uma constatação – para que precisei me equilibrar nas pedras?  E isso hoje me parece engraçado.

N35 mae e filho rino branco

Mamãe e filhote de rinoceronte branco cruzando nosso caminho.  Sua cor não é branca, é cinza escuro.  Já estava escurecendo.

E chegava o grande final do roteiro, a Costa do Esqueleto.  Esqueletos de barcos naufragados desde o tempo das navegações dos exploradores portugueses.  A costa ali é de uma braveza visível nas ondas que mudam de direção forçadas pela correnteza.

De Ongava para lá fomos de aviãozinho, daqueles que fazem voo visual, dando para nós a visão de um passarinho. Outro jipe nos esperava na pista e fomos alojados no Skeleton Coast Research Camp, onde apenas um casal de funcionários fazia todo o trabalho.  Confesso que me surpreendi, quase um susto.  Eram 6 tendas mais a tenda principal.  Água para banho era o marido que colocava um balde no reservatório do chuveiro.  Ele também era o cozinheiro, e logo descobrimos que era dos muito bons; a mulher cuidava da limpeza e arrumação.  Energia elétrica era fotovoltaica mas poucas placas, mais para a geladeira da cozinha mesmo.

N36 Sk Coast Research Camp

Skeleton Coast Research Camp, o mais rústico.

Saímos para o passeio da tarde e logo descobri que aquele não era o único acampamento.  Aquela instalação só era usada quando havia roteiros como o nosso, que eram muito poucos.  As pessoas que faziam o programa deslocando-se de avião entre os acampamentos, ficavam no outro conjunto, este com mais facilidades de uso.

O deserto por ali é a definição de inóspito.  Rochas e areia a perder de vista, sem que se perceba sinais de vida.  Só que de uma beleza arrasadora.  E fomos para as “Dunas que rugem”.  Mas acho que elas cantam.  E para elas cantarem, vá até uma determinada altura, sente e deixe-se escorregar.  E ouça a melodia.  O vento também as faz cantar.

O senhor americano não parava de fazer barulho em toda a viagem.  Sempre falando, perguntando (bobagens geralmente), batucando, cantarolando.  E resolveu fazer um relato da viagem no alto da duna.  Eu não aguentei e pedi a mulher dele que o fizesse parar um pouco por que eu queria ter o direito de ouvir o lugar.  Ela ficou muito sem graça, disse que ele era assim mesmo, que todos reclamavam; lamentei mas insisti que ela desse um jeito.  O casal inglês percebeu e veio dar uma força, eles também já tinham reclamado desde o dia dos elefantes.

Longe de tudo, ali era a terra do simples demais.  Era muito reconfortante também.  Quase impossível de explicar.

No dia seguinte iríamos até Puros visitar uma aldeia dos Himbas.  Festus levava a mochila.  Os brinquedos seriam para as crianças da comunidade e o material escolar ele iria me levar a uma escola na vila.

O caminho acompanhava em parte o rio Hoerusib, às vezes na superfície, outros trechos subterrâneo.  E onde havia água apareciam as girafas.

N37 girafas rio Hoerusib

Onde há umidade e brotam acácias, há girafas.

A aldeia é difícil de explicar.  No centro ficava o cercado das cabras, que naquela hora já tinham sido levadas para pastar pelos homens; eles eram responsáveis pelos rebanhos.

N38 Himbas

O cercado dos animais no centro da comunidade Himba.

Frequentar a escola é obrigatório já faz alguns anos.  Então só os pequenos estariam por ali.  As mulheres se penteiam fixando o cabelo com lama.  A matriarca só conhece seu idioma, porém as mais jovens, que já frequentaram escola, entendem um pouquinho de inglês.

N38 Himbas matriarca

A matriarca faz questão de ser fotografada na porta de seu refúgio.  Como quase todas as mulheres, seu cabelo está penteado com lama de argila.

Enquanto eu distribuía os brinquedos e mostrava como as bolas de silicone piscavam, pedi ao rapaz inglês que fotografasse a confusão.

Eu me vi cercada de crianças que se divertiam e eu me sentia feliz por trazer um pouco dessa diversão.  Os maiores logo aprenderam a esticar as bolotas de silicone enquanto os pequeninos mordiam os bonequinhos.  Dizer que foi bom é o melhor jeito de explicar o que passei ali; muita explicação vai estragar a magia das gargalhadas.  Os outros passageiros também aproveitaram.

N40 Himbas

Um pequenino e seu bichinho.  Os maiores já faziam batalha de bola de silicone.

Era outro dia de piquenique e banheiro na moitinha.  Lencinhos úmidos são ótimos nessas situações, servem para tudo.  Ficamos um tempo parados para o piquenique.

Festus avisou que ia me levar a uma escola e ninguém protestou.  Todos foram, mas ninguém desceu do jipe.  Saltamos com a mochila e fomos até a sala de aula.  Os alunos, pré-adolescentes, se arrumavam para terminar o dia de aulas.  Em seu idioma, falou com o professor e explicou o que eu trazia e de onde.  Ele recebeu com evidente surpresa e decidiu ali mesmo que iria usar aquilo como prêmios.  A turma logo se agitou.  Pedi para fotografar, o que foi prontamente atendido e ainda sugeriram que mostrasse o painel que tinham pintado.

N41 Escola

A emoção da visita à escola.  O professor tem nas mãos algumas das coisas que levei.  O painel da fauna ao fundo dá um toque colorido e bom.

Saí dali chorando, e ainda me emociono quando lembro daqueles minutos.  É das minhas fotos queridas de todo coração.

Na volta fizemos um caminho diferente mas ainda passando por trechos verdes graças ao Hoerusib.  A água corria rasa e rápida, entre rochedos.  Paisagens surpreendentes e inesperadas.

N42 Deserto com água

Vegetação num trecho subterrâneo do rio Hoerusib.

Passamos pelo acampamento para um rápido descanso e fomos para outras dunas apreciar o pôr do sol num raro dia sem neblina.

Tinha reservado alguns brinquedos para o filho do casal que cuidava de nós e fui entregar logo a eles.  Deixei também a mochila e tudo o mais que não precisaria voltar.

N44 Yvonne e Janaman

Com Yvonne e Janamam, os dois da etnia Damara que cuidaram tão bem de nós.

Mais um dia naquele paraíso ressecado, indo conhecer os “Castelos de Argila”.  Ali passava um rio há milênios, agora é subterrâneo.  Esse rio foi responsável pelos depósitos de sedimentos que agora são ponto de visita.  São lugares acima da explicação e devem ser delirantes para um geólogo.  Para leigos fica a beleza.

N43 Castelos de argila

Castelos de argila, um depósito de milhões de anos.

De tarde havia um programa que poderia ser chatíssimo: pescaria na praia.  Não foi.  Banho de mar nem pensar, era afogamento certo.  Pescar também não é minha praia (trocadilho à parte).  Fui caminhar, ouvir as ondas, procurar pegadas, ver conchas, deixar o fim da tarde chegar.

N45 Costa do Esqueleto

O perigoso litoral da Costa do Esqueleto.

E era nosso último pôr do sol do roteiro.  Tudo ali pode ser surpreendente e ter uma cor e um tom dramático.  Foi outro dos raros dias sem neblina no final da tarde, devemos ter uma tremenda sorte.  E veio com um presente desembrulhado para ser bem visto.

N46 Costa do Esqueleto por do sol

Pôr do sol sobre o oceano Atlântico.

O jantar foi especial, ao ar livre e à luz de velas, para ver mais estrelas ainda.  Estava acabando e já dava saudade.

A última manhã foi para dar suspense.  Partimos bem cedo para o norte, na direção da fronteira com Angola.  A estrada não passa de um caminho marcado na areia com pedras de tal maneira que os jipes não prejudicassem a formação das dunas.  Só aí me dei conta de que no Sossusvlei não há essa preocupação e a quantidade de pessoas por lá é muito maior que no Parque Nacional da Costa do Esqueleto.

N47 Estrada de areia

As trilhas permitidas na areia.

Era uma nova região protegida, dedicada aos líquens (combinação tipo simbiose de fungo e alga) que se espalhavam por quilômetros e proporcionavam condições de vida a uma fauna de pequenos seres.  A umidade vinda do mar durante a noite encharcava os líquens e daí acontecia todo o movimento das pequenas vidas em função deles.

N48 Campos de liquens

Os campos protegidos de liquens, onde existe uma rica fauna pequenina.

Não são coloridos, são rasteiros mas são pra lá de importantes.  Quem vai até lá não pode sair da trilha demarcada pelos pneus, para não esmigalhar ninguém.  É sempre pisotear o mesmo lugar.  Fomos bem avisados disso e podíamos descer do jipe mas não deveríamos andar por ali.  Quando fui tirar uma foto para o chão, me desequilibrei e dei um passo; levei uma chamada na hora e quase morri de vergonha.

No retorno pela costa para ver o farol e algumas carcaças de naufrágios, o jipe enguiçou.  Festus consertou, dirigiu um pouco mais, parou novamente.  Outra tentativa e enfim a conclusão que não dava mais.  Bateu o nervosismo geral, tínhamos que pegar bagagens e estar na pista de pouso para chegar a Windhoek e de lá seguir no voo para Johannesburg.  Por rádio, foi pedido outro transporte (ainda bem que o rádio funcionou!) e nosso almoço foi transformado em pacotes para comer no avião.  Chegamos meio em cima da hora, ainda deu tempo de me despedir do casal de cuidadores e sair dali com a emoção em nível bem alto.

O voo sobre aquele deserto ainda nos trazia novas imagens da vegetação junto dos rios de superfície ou subterrâneos.

N49 De volta a Windhoek

Vegetação surgindo nas margens do rio ainda subterrâneo.  No auge da estação das chuvas tem um bom volume de água.

Perto da capital essa umidade é usada para uma pequena agricultura.

N50 Agricultura

Um pouco de cultivos perto de Windhoek.

Chegamos a tempo.

No aeroporto recebi minha mala, joguei a maleta dentro dela pois agora havia espaço sem ter mais a mochila pesada.  Levava agora muitas lembranças, leves e coloridas, lugares ímpares que conheci de uma viagem emocionante.  Quando anunciaram quem comandava o voo, foi feito um aviso especial: era uma mulher, a primeira da empresa nesta posição.  Aplausos na cabine.

Na chegada a Johanesburgo tive que pedir ajuda a um guarda pois com as obras, o ponto de embarque para o hotel tinha mudado de lugar.  Jantei no hotel mesmo, cansada e feliz.  Só faltava acordar cedo na manhã seguinte, pegar o transporte do hotel e o avião de volta para casa.

Mas ainda tinha uma vista para apreciar.  Da janela do avião, a mesma paisagem que me encantara anos antes e me levara até ali.  E pensar com muito carinho na África que conheço e me encanta, com todas as suas dificuldades e problemas.  Mas também descobrindo seus caminhos.

N51 litoral

Sobre o grande Kalahari junto da costa do Atlântico.

Não foi uma viagem cheia de bichos.  Nada de leões, hipopótamos, leopardos ou búfalos.  Elefantes, algumas girafas, zebras e rinocerontes sim.  Tudo numa paisagem quase agressiva de tão seca, mas recheada de pontos verdes que vinham com as águas invisíveis.  Uma gente boa.  Folhas longas que não param de crescer.  Estrelas à vontade.  Vilas simples e muito organizadas.  Dias de pôr do sol antológico.  E muita sensibilidade.

N52 mopane folha em borboletal

Folhas de mopane, arbusto frequente no país e cujas folhas lembram borboletas.  É lindo vê-las voando com o vento.

Autor: recordandominhasviagens

Terceira idade, aposentada e viajante ainda na ativa. Se puder, leia meus posts e descubra mais sobre mim.

13 comentários em “2007 (março e abril) – Além de Sossusvlei”

  1. Carmen como a conheço bem , sei que não poderia ser diferente a emoção que você colocou contando essa experiência tão magnífica. Com simplicidade,realismo mas muito carinho por essa gente que conhecemos tão pouco. Continue publicando e compartilhando essas aventuras conosco. Parabéns

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